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Altos impostos sobre bens de consumo afetam o protagonismo dos indivíduos

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Imagem digital gerada por AI

O senso comum nos assegura que um imposto sobre a renda é “justo” porque tira dinheiro apenas dos ricos ao passo que impostos sobre bens de consumo penalizam majoritariamente os consumidores pobres, pois os empresários gananciosos repassam integralmente tais impostos ao preço final destes bens. Será mesmo? 

Seria realmente possível as empresas repassarem os impostos que incidem sobre bens de consumo totalmente para os consumidores na forma de um preço final mais elevado?

O fato de impostos sobre a renda acabarem prejudicando diretamente também os mais pobres já foi devidamente abordado em outros artigos (aqui), de modo que este irá se concentrar exclusivamente na questão de impostos sobre bens de consumo. 

Para entendermos claramente o mecanismo de uma transmissão de impostos para os consumidores, e verificarmos se tal transmissão realmente é possível em termos econômicos, comecemos do início. 

A transmissão não é simples

Imagine que o mercado esteja funcionando normalmente sem um imposto sobre bens de consumo. Assim, todos os preços vigentes são aqueles determinados pela interação entre a oferta de bens — o estoque de bens disponíveis para serem vendidos — e a demanda por esses bens. 

E então vem o governo e impõe uma taxa de 20% sobre o valor de todos os bens de consumo da economia. O que irá ocorrer?

Em primeiro lugar, todos os varejistas sofrerão um imediato aumento de 20% em seus custos de vendas. Se a receita era de $100, eles agora ficarão com apenas $80. 

Eles podem aumentar integralmente os preços para compensar este custo adicional? Difícil. Afinal, os preços, em todo e qualquer momento, tendem a já estar estipulados em um valor que traga o máximo possível de receita líquida para cada vendedor. Se os vendedores pudessem simplesmente repassar integralmente o aumento de 20% em seus custos para os consumidores, então por que já não haviam feito isso antes? Por que tiveram de esperar que o governo estipulasse um imposto sobre bens de consumo para que então elevassem seus preços?

Assim, se os preços de fato forem aumentados em decorrência desta elevação dos impostos, haverá necessariamente uma queda no consumo. Afinal, as preferências dos consumidores não se alteraram em decorrência desta elevação de impostos. A demanda dos consumidores não foi alterada só porque o governo criou um imposto. Se o governo criar um imposto sobre as vendas, os consumidores não irão alterar suas curvas de demanda de modo a repentinamente aceitarem um preço maior para os bens de consumo.

Logo, se o aumento de custos for repassado aos preços, estes preços mais altos, tudo o mais constante, reduzirão o consumo.

A conclusão básica é que qualquer aumento nos custos terá de ser absorvido pela empresa; tal aumento não pode ser repassado integralmente para os consumidores.

Por isso, se as empresas repassarem o imposto para o preço final de seus produtos, elas simplesmente perderão receitas, pois menos consumidores comprarão seus produtos (assumindo aqui que a quantidade de dinheiro na economia não sofreu alterações volumosas). 

No final, os custos dos impostos serão absorvidos pelas empresas. [Isso explica por que era ingenuidade imaginar que os preços cairiam por causa da extinção da CPMF ou por causa da abolição das sacolas plásticas nos supermercados].

O efeito inesperado da elevação de impostos sobre bens específicos

O exemplo acima abordou a criação de um imposto uniforme sobre todos os bens de consumo da economia. Analisemos agora o que ocorreria caso este mesmo imposto incidisse apenas sobre bens específicos.

Imagine que o governo impõe uma taxa de 20% sobre um determinado bem — por exemplo, produtos cítricos. Tal imposto faria com que as empresas que vendem laranjas, limões, pomelos, sucos de laranja e limão, picolés, saladas de frutas etc. inicialmente tivessem de lidar com um aumento em seus custos de produção e, consequentemente, uma redução em seus lucros.

Como consequência, as pequenas empresas que operam marginalmente nesta indústria poderão sofrer prejuízos e falir, ao passo que as empresas mais eficientes irão cortar custos e reduzir sua produção, de modo a provocar uma redução na oferta de produtos cítricos no mercado. Ao fazerem isso, a redução na oferta levará a um aumento dos preços e a uma queda na demanda, mas os lucros não serão afetados, pois houve também uma redução na produção.  

Portanto, a taxa de 20% não pôde simplesmente ser repassada para os preços. Se as empresas fizessem isso e não alterassem seus custos de produção, o aumento dos preços levaria uma queda na demanda. E por não ter havido redução na produção, os lucros cairiam. 

Por isso, é exatamente o efeito destrutivo do imposto sobre os lucros da empresa o que afeta a relação de oferta e demanda, levando a uma redução da oferta e a um consequente aumento dos preços para os consumidores.

Adicionalmente, dado que os consumidores podem, e irão, alterar suas preferências, passando a consumir outros tipos de frutas e sucos assim que os preços dos cítricos subirem, as empresas de cítricos não poderão aumentar os preços de seus produtos em exatos 20%. Tudo vai depender da oferta de produtos da concorrência. Dependendo dessa disponibilidade de substitutos e da elasticidade das curvas de demanda dos consumidores, o aumento percentual no preço dos cítricos pode acabar sendo bem menor do que 20%.

Até aqui, essa análise austríaca é bastante semelhante à análise neoclássica padrão. O diferencial vem agora.

No longo prazo — e este é o ponto distintivamente austríaco –, o fardo do imposto será jogado para os proprietários dos fatores de produção voltados especificamente para o setor de frutas cítricas — no caso, os cultivadores de frutas cítricas e donos de pomares. 

O valor de seu capital — sua terra e sua mão-de-obra — cairá acentuadamente como consequência da queda na demanda por produtos cítricos. Os trabalhadores destes setores terão seus salários reduzidos. Caso não aceitem tal redução, serão demitidos e terão de procurar empregos em outras áreas. Esta maior oferta de mão-de-obra irá deprimir os salários destas outras áreas da economia.

E é assim que os consumidores serão prejudicados por este imposto indireto: como os cultivadores menos eficientes terão parado de produzir simplesmente porque não eram capazes de cobrir seus custos salariais, passa a haver uma maior escassez de produtos cítricos no mercado. E isso leva a um aumento nos preços para os consumidores. 

É desta forma, portanto, que impostos indiretos levam a aumentos nos preços. Eles não são simplesmente repassados; há toda uma distorção na cadeia de produção que leva a este aumento de preços. Quanto maior o imposto, maior será este efeito. 

Um famoso exemplo prático dessa teoria — e se tornou famoso justamente porque foi amplamente visível — ocorreu nos EUA no início da década de 1990, com a indústria de iates. Para combater uma queda nas receitas decorrente da recessão da época, o governo aprovou um imposto de 50% sobre ‘artigos de luxo’, como aviões particulares, automóveis e barcos que custassem mais de US$100.000. Mas a demanda por estes itens de luxo era tão elástica que as compras de iate despencaram de 400 unidades em 1990 (ano anterior à criação do imposto) para 10 unidades em 1992.

Quase todos os construtores de iates foram à falência e vários trabalhadores desta indústria — uma mão-de-obra muito especializada — foram demitidos e tiveram de aceitar salários muito menores como pescadores de caranguejos, pilotos de barcos de turismo etc. Os consumidores tiveram de lidar com altos preços até o imposto ser finalmente abolido em 1993.

O governo quis aumentar suas receitas mas acabou apenas gerando desemprego.

Thomas Sowell nos lembra que “é difícil imaginar uma maneira mais estúpida ou mais perigosa de tomar decisões do que colocá-las nas mãos de pessoas que não pagam preço algum por estarem erradas”.

No caso da indústria de barcos de luxo, quem pagou a conta não foi o governo.

Como o aumento de impostos prejudica o protagonismo dos indivíduos?

Como vimos, o aumento de impostos pode prejudicar o protagonismo dos indivíduos de várias maneiras, principalmente pela redução da renda disponível, de forma direta e indireta. Quando os impostos aumentam, a renda disponível dos indivíduos é reduzida, pois uma parte maior de seus ganhos é destinada ao pagamento de tributos. Isso limita sua capacidade de tomar decisões sobre como gastar, investir ou economizar seu dinheiro, diminuindo seu protagonismo financeiro. Em suma, o indivíduo passa a viver para pagar seus tributos e, em uma situação extrema, o mesmo passa a ficar inadimplente com as suas obrigações fiscais, pois este tenderá a garantir sua subsistência.

Outro fato é que impostos altos restringem as escolhas dos cidadãos. Com menos recursos disponíveis devido ao aumento dos impostos, os indivíduos podem se ver limitados em suas escolhas e opções, cortando despesas em áreas importantes, como educação, saúde, lazer ou investimentos em si mesmos, o que afeta diretamente seu protagonismo na busca de uma vida plena e realização pessoal.

O impacto do aumento de tributos, em detrimento da diminuição de gastos públicos também acaba por inibir o empreendedorismo. O aumento de impostos desencoraja o investimento em novos negócios, impondo uma carga financeira adicional sobre as transações e dificultando a criação e o crescimento de novas empresas. O protagonismo daqueles que desejam iniciar seus próprios empreendimentos fica prejudicado, limitando suas oportunidades de inovação, geração de empregos e crescimento econômico. Isso é demonstrado pela teoria de Laffer, que tratamos neste artigo. Governos não produzem riqueza e assim, com o crescente aumento de taxas e tributos, em um dado momento no tempo a arrecadação passa a cair. Isso se dá pela desaceleração da economia e, sobretudo, pela inadimplência dos contribuintes.

Além disso, menos recursos para investimento pessoal diminuem a capacidade dos indivíduos de custear o seu próprio desenvolvimento pessoal, como educação, treinamentos, bem-estar ou aquisição de novas habilidades. Isso prejudica a busca de crescimento profissional e limita suas chances de melhorar sua situação financeira e qualidade de vida.

De todos os problemas, a consequência maior é a crescente dependência do governo. Com o aumento de impostos, o Estado ganha mais poder, mais controle sobre os recursos financeiros da sociedade e sobre as necessidades mais básicas do cidadão. Isso pode levar a uma maior dependência das pessoas em relação aos serviços governamentais, limitando sua autonomia, ou seja, o poder de escolha na resolução de suas próprias necessidades e problemas. Governos costumam usar termos como “bem-estar social” e “é pelos pobres” quando anunciam aumentos de tributos, que, no fim das contas, se transformam em dependência social. O cidadão se torna um servo. E, mais uma vez, lembrando Thomas Sowell, “é difícil imaginar uma maneira mais estúpida ou mais perigosa de tomar decisões do que colocá-las nas mãos de pessoas que não pagam preço algum por estarem erradas”. Estando errados ou não, quem paga a conta é sempre o contribuinte.

Podemos compreender então que o aumento de impostos reduz a renda disponível, conquistada pelo próprio esforço do cidadão, restringindo suas oportunidades, inibindo o empreendedorismo, limitando os recursos para investimento pessoal e promovendo maior dependência do Estado. Como explicado neste artigo, é importante buscar um equilíbrio na tributação, caso contrário o colapso econômico pode se instalar de forma irreversível e, mais uma vez, quem paga a conta somos nós.

Não somos contra a cobrança de impostos, mas defendemos que os mesmos sejam mínimos para que o cidadão decida o que fazer com o recurso proveniente do seu esforço, trazendo para si uma vida melhor, paz para realizar o que desejar, liberdade de escola e prosperidade a partir daquilo que gerar honestamente.

Como bem explicou Frédéric Bastiat, na economia há aquilo que se vê e o que não se vê. Um economista tem de ser igualmente versado nas duas artes. Nenhum imposto é neutro ao mercado; todo e qualquer imposto gera consequências inesperadas e não-premeditadas. A questão é que qualquer exagero quem paga, no fim das contas, é o povo.


Artigo produzido a partir do texto de Mises Brasil, escrito por Joseph Salerno – Vice-presidente acadêmico do Mises Institute, professor de economia da Pace University, e editor do periódico Quarterly Journal of Austrian Economics.

A economia de mercado versus a interferência estatal

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A vida é repleta de fenômenos complexos e intricados, dos quais muitas vezes não compreendemos plenamente seu funcionamento. Um exemplo notável é a economia de mercado, um sistema que opera de maneira eficiente e surpreendente.

A ordem espontânea da economia

A maioria dos líderes governamentais, burocratas estatais e legisladores possui um entendimento limitado ou nenhum sobre o funcionamento da economia. Aqueles que possuem algum conhecimento na área, geralmente foram influenciados pelo marxismo ou keynesianismo, correntes de pensamento que conferem ao Estado um papel econômico equivocado.

Friedrich Hayek, Ludwig von Mises, Thomas Sowell e Nassim Taleb explicaram que a economia de um país é moldada pelas ações individuais de milhões de pessoas que atuam em busca de sua própria prosperidade. O resultado é a produção de bens e serviços que satisfazem as necessidades de todos.

Adam Smith, um filósofo escocês, foi o primeiro a compreender esse conceito e o expressou em sua obra seminal “A Riqueza das Nações”, publicada em 1776. Smith destacou que o conhecimento sobre o que deve ser produzido, vendido e os preços a serem praticados está disseminado na sociedade. Os preços são determinados pela interação entre demanda e oferta, envolvendo compradores e vendedores. Infelizmente, os burocratas estatais, isolados em seus escritórios refrigerados, desconhecem essa dinâmica.

A economia é resultado do trabalho e comportamento de milhões de pessoas que buscam melhorar suas vidas e atender suas necessidades, ou seja, não foi criada pelo Estado. Ela já existia muito antes da ideia de criar um Ministério da Economia.

A economia e a interferência estatal

Hayek descreve a economia de mercado como uma forma de “ordem espontânea”, um sistema de organização entre indivíduos que emergiu naturalmente ao longo de milênios, por meio de um processo de seleção natural. As sociedades que adotaram formas inadequadas de organização desapareceram, enquanto aquelas que escolheram formas mais eficientes prosperaram e sobreviveram.

Contrariamente ao senso comum, a interferência do Estado na economia raramente produz resultados benéficos. Há uma vasta literatura que demonstra os efeitos negativos dessas intervenções. Por exemplo, o livro “O Homem Esquecido” de Amity Shlaes relata como as medidas adotadas por Franklin Roosevelt durante a Grande Depressão agravaram a situação econômica da época. Apesar das evidências documentadas, muitos ainda acreditam que o “New Deal” foi responsável pela recuperação dos Estados Unidos. Na realidade, as intervenções governamentais maciças retardaram a recuperação do país.

A complexidade dos sistemas econômicos

Interferir na economia equivale a interferir no meio ambiente. Ao eliminar predadores como os coiotes, por exemplo, em busca de proteger o gado, pode-se inadvertidamente desequilibrar o ecossistema. Como resultado, ocorre uma reprodução descontrolada de presas, como ratos, que por sua vez destroem plantações. Da mesma forma, quando burocratas estatais restringem o direito dos cidadãos de trabalhar e empreender, em nome da “justiça social” ou “justiça tributária”, acabam prejudicando o funcionamento da economia e a vida das pessoas.

Os efeitos danosos da taxação excessiva

No contexto brasileiro, um dos principais entraves ao desenvolvimento econômico é a alta carga tributária. Para ilustrar o quanto a taxação excessiva é prejudicial a uma economia, recorremos à curva de Laffer, que parte de uma teoria econômica que compara a porcentagem dos impostos cobrados versus a quantidade que o governo pode obter como receita advinda do recurso dos pagadores de impostos.

A ideia foi desenvolvida pelo economista Arthur Laffer, sendo defensor que a diminuição da taxação de empresas poderia aumentar a arrecadação do Estado.

A teoria explica que a partir de um certo ponto, por mais que se aumente a alíquota do imposto haverá menos receita fiscal. Isto ocorre por conta do maior incentivo aos agentes a praticarem estratégias de elisão ou evasão fiscal. O problema é que o governo insiste em não querer compreender o quanto a sobrecarga de impostos acaba por colapsar o sistema econômico como um todo.

Em um contexto de tributos excessivamente altos, empreendedores são desestimulados a investir e expandir seus negócios, o que resulta em menor geração de riqueza e empregos. Alguns acabam buscando alternativas ou outros países com menor carga tributária para realizarem as suas operações. Além disso, a alta carga tributária pode incentivar a sonegação fiscal, à medida que os indivíduos procuram evitar o pagamento de impostos elevados, priorizando gastos básicos para a sua sobrevivência. No país já tivemos uma rápida experiência com a redução do ICMS dos combustíveis e o IPI de alguns produtos. A medida, como sugerida historicamente por Hayek, favoreceu o aquecimento da economia, em um momento pós-pandemia do país.

A manobra do governo, ao reduzir os impostos, acabou estimulando indivíduos e empresas a aumentarem suas atividades econômicas, impulsionando a geração de renda e, consequentemente, o crescimento econômico. Com mais recursos disponíveis para investir, os empreendedores podem expandir seus negócios, criar mais empregos e aumentar a produção de bens e serviços. A roda da economia passa a girar, beneficiando a todos, incluindo o governo. Isso explica porque o Brasil, no fim de 2022 chegou a crescer 2,9%.

Além disso, a redução de tributos incentiva a formalização das atividades econômicas e a redução da sonegação fiscal. Neste sentido a tendência é que mais empresas e indivíduos optem pela regularização fiscal, contribuindo para um aumento da arrecadação de impostos.

Afinal, por que o governo não corta gastos ao invés de aumentar os impostos?

A diminuição dos gastos públicos é, de fato, uma solução viável para aliviar a carga tributária sobre indivíduos e empresas. Reduzir o tamanho da máquina pública, eliminando desperdícios e priorizando a eficiência na gestão dos recursos, contribui para um equilíbrio fiscal e uma economia mais saudável.

Ao enxugar a máquina pública, o governo elimina gastos excessivos, deve revisar programas e projetos desnecessários, otimizar processos e reduzir a burocracia. Essas medidas resultam em uma melhor alocação dos recursos públicos, garantindo que sejam utilizados de maneira mais eficiente e direcionados para áreas prioritárias, como saúde, educação, segurança pública e infraestrutura, ou seja, funções básicas que qualquer governo deveria garantir aos seus cidadãos.

No entanto, implementar cortes de gastos não é uma tarefa fácil, pois envolve decisões políticas complexas e podem enfrentar resistências de diversos setores, incluindo de instituições públicas, empresas privadas “amigas do rei” e uma lista infindável de interessados em manter suas atividades através de um complexo sistema burocrático que se beneficia dos gastos públicos, seja através de desvios de recursos ou através de influências políticas.

A economia de mercado é uma “ordem espontânea” que emergiu ao longo do tempo, resultado de um processo de seleção natural das melhores formas de organização. A interferência estatal na economia, muitas vezes motivada por uma busca equivocada por justiça social, tende a produzir frutos negativos e imprevisíveis. Os responsáveis por essas intervenções costumam utilizar essas consequências como pretexto para ampliar ainda mais seu poder, prejudicando a liberdade econômica e o bem-estar da sociedade como um todo, tudo em prol da manutenção do seu status político.

Conforme apontado de forma perspicaz por Thomas Sowell, “é difícil imaginar uma maneira mais estúpida ou mais perigosa de tomar decisões do que colocá-las nas mãos de pessoas que não pagam preço algum por estarem erradas”. Quando se trata de tributos, no fim da história é sempre o pagador de impostos que arca com as consequências das decisões equivocadas de seus governantes.

IoP

Reforma tributária já, mas não essa.

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Foto: Arno Senoner/Unsplash

Economistas e tributaristas questionam em artigo a efetividade da reforma tributária aprovada hoje no Congresso. Os autores levantam questões como o abandono do sistema tributário atual em favor de um modelo ainda pouco estruturado, com alíquotas indefinidas, dependentes da aprovação de lei complementar. O possível aumento da carga tributária também é alvo de críticas, bem como a excessiva centralização tributária que pode prejudicar o pacto federativo definido na Constituição.

A reforma tributária do consumo, traduzida na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 45, prometia fundir cinco tributos: Cofins, PIS, IPI, ICMS e ISS. Seus idealizadores projetavam um sistema que iria promover maior simplicidade, menos burocracia, não cumulatividade plena e migração da tributação para o destino, dando cabo à chamada guerra fiscal.

O substitutivo daquela PEC nega essas pretensões. Ao contrário, parece trilhar a marcha da insensatez, celebrizada na conhecida obra de Barbara Tuchman, que destacou a irracional supremacia das veleidades particulares sobre o interesse coletivo, em importantes episódios da história.

Ele propõe a instituição de dois novos tributos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), no âmbito federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), no subnacional. O primeiro resultaria da fusão de Cofins e PIS, e o segundo derivaria da fusão de ICMS com ISS.

A criação dos novos tributos não ocorreria de imediato. A CBS seria implantada em 2026, com alíquota de 1%. Já a partir de 2027, o Senado definiria sua alíquota, procedendo-se à extinção de Cofins e PIS.

A nova alíquota teria de preservar a arrecadação, sempre em relação a um cenário “de referência”, que afinal é um conjunto de projeções e dados não verificáveis. O IPI também seria extinto naquele mesmo ano, exceto para os produtos fabricados na Zona Franca de Manaus. Um imposto “seletivo” seria criado para produtos como o tabaco.

O IBS é ainda mais complexo. Sua implantação só ocorreria em 2029. A partir daí até 2032, haveria uma transição, com redutor anual de 1/5 aplicado sobre as alíquotas do ICMS e do ISS, a serem extintos em 2033.

No período de transição, o Senado fixará as alíquotas de referência do IBS, de modo a preservar as receitas dos estados e municípios, conforme a mesma lógica do cenário de referência.

Existiriam, portanto, dois tributos com alíquotas indefinidas, a serem fixadas, ano a ano, com risco evidente de erro de estimativa.

Presume-se, em exercício preliminar, que a alíquota resultante dos dois tributos seria de cerca de 30%. Além disso, o Tribunal de Contas da União (TCU) participaria do cálculo das alíquotas de referência para subsidiar as decisões do Senado, no caso do IBS, com base em informações prestadas por um Conselho Federativo e pelos entes federados. Dessa forma, tenta-se vender a tese de que ninguém perderia um centavo.

A propósito, qual seria essa alíquota mágica? Ninguém tem a resposta. Não é preciso ser versado em assuntos tributários para antever um agigantamento do contencioso. O diabo, costuma-se dizer, está sempre nos detalhes. Desta vez, porém, parece acomodar-se, sem qualquer pudor, em cada um dos dispositivos do substitutivo da PEC nº 45.

Além da suposta simplificação, outra bandeira hasteada pelos idealizadores da PEC nº 45 era a migração da tributação do consumo para o destino. O substitutivo prevê que essa migração, no IBS, venha a ocorrer em 2033, admitindo-se que o termo inicial de vigência desse imposto seja 2029. Essa mudança, entretanto, já poderia ter sido implementada por mera Resolução do Senado Federal, alterando-se as alíquotas interestaduais vigentes do ICMS (7% ou 12%, cobradas na origem).

A tão deplorada guerra fiscal do ICMS, por inobservância da legislação aplicável, poderia ser enfrentada pela instituição com severas punições: ao contribuinte beneficiário, mediante pagamento do imposto não pago com os acréscimos legais; à entidade federativa responsável, por meio dos impedimentos previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal; e aos agentes públicos responsáveis, por enquadramento em improbidade administrativa e em crime contra as finanças públicas, a ser tipificado.

A definição de alíquotas para o IBS é remetida à lei complementar. À boca miúda, ouve-se sempre “ah, na reforma tributária, para tudo que é importante, a resposta está pronta —lei complementar”.

E você, contribuinte? Alguma preocupação com o aumento da carga tributária em certos setores, como o de serviços, que amargará significativa elevação de impostos?

É racional tal deslocamento de carga tributária em desfavor de setores altamente empregadores de mão de obra, serviços temporários, sociedades profissionais e certas atividades na área de saúde e de educação que não venham a ser incluídas nas listas positivas de futuras e incertas leis complementares?

A imolação do ISS no altar da não cumulatividade é um retrocesso que não esconde a verdadeira intenção de se abocanhar a crescente base tributária dos serviços, para compensar o encolhimento da base industrial, às custas de limitação da competência tributária dos municípios e obstaculizando a descentralização no federalismo fiscal brasileiro.

O artigo 8º do substitutivo determina que lei complementar “poderá prever” regimes diferenciados, com alíquotas equivalentes à metade da alíquota de referência e, em alguns casos, com redução de 100%, respeitada a uniformidade no território nacional e desde que realizados os “ajustes” (aumentos) nas alíquotas de referência, a fim de preservar a arrecadação.

Obviamente, haverá uma grande confusão. Regimes especiais “poderão” instituir alíquotas menores na CBS e no IBS para produtos agropecuários, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais “in natura”,serviços de transporte, insumos agropecuários, produtos de higiene pessoal, atividades artísticas, medicamentos, serviços de educação e saúde.

Não há dispositivo no texto garantindo que os tributos terão alíquotas reduzidas. E nem que a redução, se concedida, atenda às expectativas, caso a alíquota padrão aumente além do esperado por força do rosário de benefícios distribuídos em série.

Essas reduções deverão ser compensadas, ao mesmo tempo, com majorações na alíquota padrão sobre os demais produtos e serviços. Não há garantia de absolutamente nada, pois tudo dependerá de lei complementar.

O argumento dos defensores desse modelo é que, hoje, com o ICMS, as especificidades criadas por meio de regimes especiais, incentivos e isenções fiscais são muito mais numerosas. Ora, os incentivos do ICMS estão sendo garantidos até 2032.

Além do mais, a prometida extinção demandará dinheiro vivo alocado pela União em um fundo exclusivamente destinado a essa finalidade, que poderá chegar a centenas de bilhões de reais. Trata-se de redobrada insensatez justamente no momento em que a crise fiscal ameaça a economia brasileira.

Não para por aí. Haverá um segundo fundo, destinado ao desenvolvimento regional. Lei complementar disporá sobre os detalhes de ambos. Já se fala em dividir o bolo a partir dos critérios do Fundo de Participação dos Estados (FPE), isso sem contar que haverá certamente uma demanda por aumentos nos valores inicialmente propostos. Além disso, há notícias de que a renegociação da dívida dos estados com a União também teria sido colocada sobre a mesa.

Outra complicação é o chamado “cashback” ou devolução de IBS e de CBS, o que, também, é remetido à definição por lei complementar. Caso venha a ser utilizado o cadastro único de beneficiários de transferências de renda, é preciso lembrar que serão mais de 90 milhões de pessoas a serem beneficiadas, o que certamente exigirá estruturas burocráticas gigantescas e robustos programas a serem adquiridos pelos contribuintes, especialmente nas atividades de varejo, ambos com custos exorbitantes, sem falar nos riscos de fraudes.

As exceções vão se amontoando no texto, o que resultará em uma complexidade provavelmente bem maior que a de hoje. Uma espécie de monstrengo de difícil manejo. O que se está propondo não é nada simples.

Já se esperava que a reforma não tocaria no Simples Nacional e na Zona Franca de Manaus. Porém, além deles, propõe-se o chamado regime específico de tributação a ser aplicado não só aos combustíveis, mas também às compras governamentais e aos serviços financeiros.

Cabe perguntar: se o IBS é tão bom, por que todos querem ficar de fora da alíquota de referência? É evidente que aqueles que conseguirem se mobilizar, vão buscar escapar da alíquota geral. Trata-se, rigorosamente, de um mergulho no escuro de inspiração aventureira.

Os que ganharem, ganharão, e os que perderem talvez venham a ser compensados com recursos da União, a viúva de sempre, o que significa importante aumento de carga tributária ou de endividamento público.

Além da ausência de um diagnóstico amplo, detalhado, consensual e compartilhado sobre a carga tributária, há que se registrar a pretensão de criar um Conselho Federativo, órgão supostamente técnico com competência para editar normas, uniformizar interpretações, arrecadar imposto e distribuí-lo entre estados e municípios.

Trata-se de uma instância poderosa para dirigir a fatia mais importante da tributação do país, hoje equivalente a cerca de 9% do PIB (ICMS e ISS). Seus poderes estão listados no substitutivo e incluem até mesmo a iniciativa para propor projeto de lei complementar relativamente ao novo imposto subnacional.

É assim que morre uma federação. Os governos estaduais e municipais perderão ingerência sobre sua própria receita. Não é pouco. O Conselho Federativo teria o poder de interferir até na fixação da alíquota do IBS. Em nome da automatização, da centralização, do controle ou de coisas abstratas e pouco explicadas como essas, pretende-se atribuir àquele conselho poderes extravagantes.

A cada ente federativo cabe administrar seus próprios tributos. Isso é parte essencial do pacto federativo, insusceptível de alteração por emenda constitucional. Acrescente-se que essa proteção ao pacto federativo é tão rigorosa que a Constituição veda a possibilidade de deliberação de emenda meramente tendente a ofendê-lo. Trata-se, convém não esquecer, de cláusula pétrea constitucional.

A União aceitará que a CBS tenha sua alíquota definida pelo TCU e pelo Senado? Essa possibilidade encerra um preocupante risco fiscal.

Visando conquistar apoio dos estados, o fundo originalmente proposto foi desmembrado em dois. Não tarda os estados exigirão mais recursos da União para custear ambos os fundos, como alertamos. Mais grave, em 2032, os prazos dos incentivos do ICMS talvez venham a ser prorrogados, como tem sido habitual. Definitivamente, essa proposta não será a solução para problemas tão difíceis e recorrentes.

O outro fundo, de desenvolvimento regional, pode se transformar em um segundo FPE, cujos critérios atuais de partilha estão sendo questionados em ação no Supremo Tribunal Federal, alegando-se possível inconstitucionalidade.

Já está muito claro. Perder-se-á uma fábula de dinheiro, sem qualquer garantia da boa aplicação do recurso. Destaque-se que, em anos de partilha do IR e do IPI, a desigualdade entre as regiões do país segue elevadíssima.

São necessários novos instrumentos e novas estratégias, além do resgate do planejamento e da capacidade de fixar objetivos e metas nas áreas de infraestrutura e educação. Distribuir recursos a esmo é uma fantasia. A diferença é que, agora, o mesmo canto das sereias serve para atrair os estados, restringir seu poder de tributar e criar um sistema tributário mais complexo.

Engana-se o setor industrial ao imaginar que sua situação melhorará com o avanço desse disparate tributário. O substitutivo, se aprovado como está, só piorará as condições de crescimento econômico, instalando no país uma máquina de ineficiências e complicações para quem produz.

A guerra fiscal seguiria, mais forte do que nunca, agora financiada por subsídios canalizados diretamente do orçamento da União para as contas dos estados. Pior, o destino, tão aclamado, só seria concretizado em uma década, sendo a transição federativa concluída apenas em 2078!

A Câmara e o Senado precisam compreender os riscos econômicos, políticos e sociais associados a este texto de 22 de junho de 2023, que já pode ser qualificado como uma das piores propostas de reforma tributária da história do país.

Quer-se impor goela abaixo uma solução salvadora, a exemplo de um emplastro Brás Cubas, que a tudo e a todos curaria. É engraçado, na preciosa obra de Machado de Assis, porém desesperador quando se projeta para a vida real.

A tal PEC resultará, a um só tempo, em seguro aumento de carga tributária para a maioria dos contribuintes e de complexidade para todos. Feriria o princípio federativo constitucional, ao estipular poderes excepcionais para o chamado Conselho Federativo, que, sem exagero, poderia ser visto como um fantasmagórico quarto ente federativo.

Peca-se, por arroubos fundamentalistas, pelo abandono completo do sistema erigido até aqui. É a lógica do “vamos começar do zero”, como se as democracias consolidadas combinassem com esse tipo de estratégia disruptiva.

A ciência política ensina que as democracias consolidadas se aperfeiçoam, quando há lideranças técnica e política adequadas ao modelo de avanços incrementais. Demonizar o ICMS e propor um imposto pior, no seu lugar, adianta o quê? Interessa a quem? Os seus problemas são muito conhecidos, e há soluções racionais para cada um deles. Não é preciso jogar fora o bebê junto com a água suja do banho.

Sem dúvida, há urgente necessidade de aprimorar os tributos sobre o consumo, mas não é prudente tratar de forma açodada e displicente assunto tão sério. A proposta aprovada é repudiada pela imensa maioria dos contribuintes, parte dos quais, entretanto, teve sua severa carga tributária mitigada por providencial iniciativa de resgate, o que, por via oblíqua, implica aumentar ainda mais a carga tributária incidente sobre os que não foram resgatados.

Os principais impactos da proposta aprovada

O debate em torno da reforma tributária proposta pelo governo Lula tem gerou controvérsias e levantou preocupações sobre seus possíveis impactos na economia e no emprego. Enquanto o governo argumenta que a reforma não aumentaria nem diminuiria a carga tributária, mas um estudo produzido pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) mostra que a realidade é bem diferente.

Aumento da carga tributária no setor de serviços

De acordo com o estudo da CNC, o setor de serviços, que representa uma parcela significativa da força de trabalho no Brasil, deve sofrer um aumento considerável na carga tributária. Estima-se que a carga média de impostos nesse setor aumente em 73%. Isso pode ter sérias consequências para as empresas de serviços e, consequentemente, para o emprego.

Impactos no emprego e nas empresas de serviços

A CNC estima que o aumento de R$ 200 bilhões na carga tributária das empresas de serviços pode resultar na perda de aproximadamente 3,8 milhões de empregos. Mesmo considerando a possibilidade de a indústria utilizar o ganho tributário para contratações, o que é incerto, ainda haveria um saldo de 600 mil desempregados. Esses números alarmantes evidenciam os potenciais efeitos negativos da reforma tributária no setor de serviços e na geração de empregos.

Benefícios para o setor industrial e o comércio

Enquanto os setores de serviços sofrem com o aumento da carga tributária, o estudo da CNC destaca que a indústria e o comércio são os grandes beneficiados pela reforma tributária proposta. Essa disparidade levanta preocupações sobre a distribuição equitativa dos ônus e benefícios da reforma e pode agravar as desigualdades entre os setores da economia.

Centralização do sistema tributário e retrocesso

Outra preocupação relevante é o aumento da centralização do sistema tributário. A reforma tributária implementada, sem o devido debate e análise, como argumentado pelos críticos, resultará em um sistema ainda mais centralizado. Essa centralização pode levar o país a um completo retrocesso, prejudicando a autonomia e o desenvolvimento regional.

Os governantes do país têm de tomar as rédeas das discussões e formular uma proposta sensata e consistente de reforma tributária centrada em iniciativas para, em curto prazo, promover a simplificação e a redução da litigiosidade, mediante projetos de legislação infraconstitucional cujos efeitos seriam imediatos. Reforma tributária já, mas não essa.


Fonte: Fenafisco

Everardo Maciel – Consultor tributário e ex-secretário da Receita Federal (1995-2002, governo FHC)

Felipe Salto – Economista-chefe e sócio da Warren Rena, foi secretário da Fazenda e Planejamento do estado de São Paulo (2022)

Fernando Resende – Ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (1996-1999), economista e professor na Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, da FGV

Jorge Rachid – Consultor tributário e ex-secretário da Receita Federal (2003-2008, governo Lula; e 2015-2018, governos Dilma e Temer)

José Roberto Afonso – Pós-doutor pela Universidade de Lisboa em economia e professor do IDP.

Marcos Cintra – Professor titular de economia da FGV-SP e ex-secretário da Receita Federal (2019, governo Bolsonaro)

Selene Peres Peres Nunes – Secretária de Economia do Estado de Goiás.

Folha de São Paulo.

O mito da “reforma” tributária

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Imagem digital gerada por Inteligência Artificial

O Congresso brasileiro está às vésperas de votar a Reforma Tributária. O Presidente da Câmara, Arthur Lira, já confabula com líderes políticos as negociações pela reforma. A proposta partiu do Executivo, em especial do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apenas recentemente e, apesar do curto espaço de tempo para a devida apreciação do projeto, o governo tenta imprimir velocidade à votação.

A proposta criou receios, principalmente entre os governadores, que veem as unidades federativas perderem relevância para a União sobre questões tributárias. Sob o argumento de entregar simplicidade e homogeneidade, o governo quer a criação de um imposto único, que substitua uma série de impostos até então definidos pelos estados. A proposta também inclui a criação de um imposto para “desestimular o consumo de produtos prejudiciais à saúde a ao meio ambiente”. É o estado paternalista no seu melhor.

O artigo a seguir é fundamental para entender a proposta do governo brasileiro. Murray Rothbard publicou este artigo na época em que se discutia uma reforma tributária nos Estados Unidos, que tinha como objetivo criar um imposto único – algo semelhante ao que se deseja por aqui. Em comum, as propostas levam à centralização do poder político na capital federal, tirando cada vez mais a autonomia dos estados e, em última instância, dos indivíduos.

Todos concordarão que o sistema tributário do país é uma bagunça. Os impostos são muito altos e o emaranhado sistema é tão complicado que mesmo os funcionários da Receita não o entendem. Daí a evidente necessidade de algum tipo de reforma dramática, até drástica. Como sempre acontece, um grupo de reformadores dedicados e determinados surge para satisfazer essa necessidade.

Mas, antes de aceitarmos este novo evangelho, devemos prestar atenção à velha máxima sobre ir de mal a pior, e lembrar a advertência do grande H.L. Mencken, que definiu “reforma” como “essencialmente uma conspiração de tenazes charlatões para despojar o contribuinte”. E também devemos ter em mente que todos os atos do governo, por mais dignos que pareçam, acabam não resolvendo problemas e apenas piorando as coisas.

Trabalhando dentro da realidade tributária atual, os planos dos reformadores são variados e mudam quase diariamente, à medida que enfrentam pressões políticas conflitantes. Mas sejam eles Kemp-Kasten, Bradley-Gephardt, o plano do Tesouro do outono de 1984 (Reagan I) ou o plano final de Reagan da primavera de 1985 (Reagan II), há um objetivo comum e aparentemente simples: que cada pessoa ou grupo deve pagar o mesmo imposto proporcional sobre sua renda líquida, e que todas as deduções, isenções e proteções sejam abolidas em nome deste imposto proporcional uniforme – um “imposto único sem isenções”.

Os reformadores tributários que propõe o imposto único têm muito em comum com ideólogos militantes com os quais nos familiarizamos muito no século XX. Em primeiro lugar, eles são igualitários neste caso, presumindo que seja pecaminoso ou pelo menos grosseiramente “injusto” que qualquer pessoa ou grupo escape da foice do grande imposto uniforme. Em segundo lugar, e junto com este igualitarismo, eles assumem de forma brusca e senhorial que somente eles representam e incorporam o “interesse geral”, e que todas as objeções a um imposto único uniforme podem ser rapidamente descartadas como queixas egoístas de “interesses especiais”. Não parece importar se os “interesses especiais” abrangem a maior parte da população; eles devem ser postos de lado sem cerimônia para alcançar o paraíso do imposto único.

O fato de a maior parte do ímpeto para essa e outras reformas vir de economistas acadêmicos coloca a cereja no topo do bolo de impostos. Idealistas acadêmicos sempre estiveram acostumados a colocar de lado os interesses e preocupações de todos os outros como mesquinhos e “especiais”, enquanto falam de forma automática pelos interesses maiores da humanidade. Na melhor das hipóteses, os reformadores arrogantemente negligenciam a enorme quantidade de dano e dor que infligirão no curso de sua grandiosa reforma.

Um exemplo: o imposto único imporia uma enorme quantidade de danos e prejuízos a cada proprietário. Em sua sabedoria, os defensores do imposto único decidiram que a dedução dos pagamentos de juros sobre a hipoteca é um “subsídio” concedido pelo sistema tributário e que o verdadeiro lucro líquido não permitiria tal dedução. Eles também concluíram que o proprietário inconsciente também desfruta de outro “subsídio” do governo: não tributar seu “aluguel imputado”; ou seja, a quantia que ele teria que pagar de aluguel se estivesse alugando a casa em vez de possuí-la. Um dos muitos problemas com a última proposta é que o pobre proprietário nunca consegue pagar seus impostos “imputados”; não, seus impostos teriam que ser pagos em dinheiro, embora sua renda seja “psíquica” e não ganha em dinheiro. Mas, continuamos. Um terceiro golpe para o proprietário seria a insistência do taxador em eliminar as deduções fiscais federais para impostos estaduais e locais, a maioria dos quais são impostos sobre a propriedade de uma casa. Assim, temos um aumento triplo de impostos infligido ao proprietário, e o efeito desse golpe seria uma redução permanente do valor de mercado de sua casa, que consiste no valor presente dos retornos futuros esperados da casa.

Estas são apenas algumas das muitas consequências e danos graves que decorreriam das medidas dos reformadores. Mas os reformadores literalmente não se importam; não se deve permitir que nenhuma dor (quase invariavelmente sofrida por outros) bloqueie ou atrase a realização rápida de sua utopia. Quaisquer alterações são apenas concessões relutantes à feroz resistência dos “interesses especiais” ao advento da Nova Jerusalém dos proponentes do imposto único.

Assim, o plano Regan no outono de 1984 (Reagan I) propunha aumentar drasticamente o imposto sobre ganhos de capital, em direção ao ideal de elevá-lo ao exato nível do imposto de renda, e sugeria uma redução acentuada das deduções ao esgotamento do petróleo. Grande resistência foi oferecida ao plano por investidores de capital de risco, que seriam particularmente esmagados por um alto imposto sobre ganhos de capital, e pelos igualmente prejudicados interesses do petróleo, sempre considerados sinistros na imaginação popular. Como resultado, os reformadores foram forçados a abandonar esses dois aspectos de seu grande plano em Reagan II. Mas, a longo prazo, esses recuos forçados não são importantes; seu objetivo – um imposto único e uniforme – sempre permanece o mesmo.

Mas por que esse plano é tão grandioso? Tão vitalmente importante que nossas dores e sofrimentos devam ser tratados como nada? Aqui, os reformadores oferecem poucos argumentos. Basicamente, suas razões se resumem a duas: o sistema tributário seria simples (você poderia calcular seu imposto em um cartão postal) e, acima de tudo, seria justo.

O argumento da simplicidade

Pagar seus impostos, afirmam os reformadores, seria a mais pura simplicidade. Chega de trabalho árduo tentando descobrir o que está acontecendo, chega de contratar advogados tributários ou contadores. Mas a doce simplicidade do argumento pode ser descartada muito rapidamente. Em primeiro lugar, qualquer pessoa que queira simplicidade pode tê-la agora, usando o formulário curto E-Z, e ​​dois terços dos americanos o fazem atualmente. Portanto, a pergunta a fazer é: por que um terço de nós escolhe a complexidade, sofrendo por muitas horas com formulários complexos, e por que contratamos advogados e contadores caros para nos ajudar? Certamente, não porque amamos a complexidade e as despesas por si mesmas, mas porque acreditamos que há coisas na vida piores do que a complexidade, e uma delas é pagar mais impostos! Estamos dispostos a sofrer com alguma complexidade para reduzir parte de nossa monstruosa carga tributária. E, ao eliminar nossas deduções, isenções, proteções e assim por diante, os reformadores estão impondo simplicidade compulsória contra nossos desejos. Eles são verdadeiramente o que o grande historiador suíço do século XIX, Jacob Burckhardt, disse dos intelectuais estatistas de sua época, “terríveis simplificadores”.

Mas a piada é sobre nós, já que o sistema dos reformadores não seria de forma alguma simples. Ainda teríamos que passar por um labirinto complexo e tenebroso. Pois a chave para os proponentes do imposto único é que o imposto proporcional uniforme deva ser cobrado sobre todo o lucro líquido. Mas o que é lucro líquido? As respostas estão longe de ser simples e bons argumentos podem ser encontrados em ambos os lados. O fato interessante e crucial é que, em cada um desses argumentos, os proponentes do imposto único invariavelmente se veem contra o atormentado contribuinte e a favor de entregar cada vez mais de nossa renda e ativos para o bucho ganancioso do Estado Leviatã tributador.

Então, “ganhos de capital” seriam rendimentos? Os reformadores dizem que sim, e pedem que seja tributada na mesma medida que a renda ordinária. A Europa Ocidental não desceu pelo ralo econômico, em parte, porque seus impostos sobre ganhos de capital sempre foram muito mais baixos do que seus impostos sobre a renda, mas esse fato não conta e não pode contar no duro cálculo de nossos reformadores. Os ganhos de capital devem ser tributados à medida que são acumulados em nossos livros ou apenas quando são realizados em dinheiro? Mais uma vez, os reformadores optam pelo acúmulo, apoderando-se de nossos ativos mais cedo e sem se importar com nosso problema de pagar impostos em dinheiro, enquanto nossos “ganhos” só se acumularam em nossa psique ou no papel.

As perdas em nossas proteções fiscais são falsas ou devem ser tratadas como perdas reais para amortizar nossa receita? Os reformadores insistem que são falsas e que, portanto, devem ser desconsideradas quando nossos impostos são estimados. Mas quem pode dizer isso? Quem pode dizer que, se eu comprar uma fazenda de cavalos na Virgínia e sofrer prejuízos, essas perdas são bem-vindas para reduzir meus impostos? Quem está equipado para examinar meu coração e minha mente e descobrir se essas perdas são “genuínas” ou não? E desde quando a Receita Federal adquiriu poderes ocultos, junto com o resto de seu arsenal totalitário?

E a querida instituição americana do “three-martini lunch”? Reformadores, de Carter a Reagan, tentaram esmagar esse almoço e alegar que essas despesas não são genuínas ou valiosas. O rendimento líquido é obtido deduzindo os custos do rendimento bruto. Mas estes almoços são um custo “genuíno” dos negócios ou são uma forma furtiva de obter renda que não está sujeita a impostos? Quem sabe? Quem sabe quantos negócios genuínos são conduzidos nesses almoços? Mais uma vez, os reformadores sabem! E eles sabem que essas deduções podem ser eliminadas.

E aí está o problema da corporação. Corporações são entidades. Sua renda deve ser tributada à mesma taxa que a renda pessoal? Os economistas passaram a reconhecer que não existe nenhum ser vivo chamado “corporação”. O imposto de renda corporativo é um imposto duplo sobre os acionistas, primeiro como uma “corporação” e, em seguida, sobre sua renda pessoal. Mas, enquanto os economistas têm pedido cada vez mais a abolição do imposto sobre as sociedades, os reformadores decidiram em sua sabedoria que, uma vez que a renda de todas as entidades deve ser tributada uniformemente, o imposto de renda das sociedades deve ser incluído e até mesmo aumentado, se necessário, para ser tributado da mesma forma.

Nenhum desses argumentos é simples, mas é instrutivo que, em todos os casos, os reformadores optaram ferozmente pela inclusão de todas essas rendas ou ativos na categoria de tributação. Seu viés a favor de impostos, impostos e mais impostos deve estar claro agora.

O argumento da justiça

O principal argumento dos proponentes do imposto único é de que a “justiça” é quem exige uma marcha rápida e forçada em direção ao seu ideal. Em nome da “justiça”, quase qualquer custo vale a pena. Mas é estranho que esse argumento ético venha de uma profissão (economistas acadêmicos) que fez carreira proclamando em voz alta que todas as suas doutrinas são “ciência sem juízo de valor” e que nada têm a ver com ética. Então, quando foi que eles se tornaram especialistas em ética? Na verdade, o argumento da justiça é geral e levianamente assumido como verdadeiro, após o qual os reformadores podem alegremente denunciar cada resistente a impostos mais altos ou mais amplos como personificações de sinistros interesses “especiais”.

Um argumento sustenta que a justiça exige que todos paguem sua parte igual nos “serviços” do governo. Deixemos de lado por um momento o ponto certamente importante de que esses “serviços” são frequentemente questionáveis, são excessivamente caros e às vezes significam que o contribuinte é forçado a pagar por seu próprio controle e opressão. Desde quando a “justiça” exige que todos paguem a mesma proporção de sua renda por um bem ou serviço? Misturado ao argumento pela justiça, está a visão de que o governo não deve fazer nada para penalizar uma indústria ou ocupação, ou subsidiar outra. Esse argumento de neutralidade para o mercado coloca sobre os proponentes do imposto único um disfarce de adeptos militantes da livre iniciativa. Isso parece admirável, mas por que isso implica que todos deveriam pagar a mesma proporção de sua renda?

Quando David Rockefeller e eu compramos pão no supermercado, cada um de nós paga o mesmo preço; ninguém está lá para inspecionar nossas receitas anuais e cobrar uma multa proporcional. Ninguém obriga Rockefeller a pagar US$ 1.000 por um pão só porque sua renda é mil vezes a do próximo homem na fila. O livre mercado tende a preços uniformes e iguais para cada produto; um preço para todos, seja qual for a raça, credo, classe, cor ou renda dessa pessoa. Por que de repente seria diferente para os impostos? Em suma, uma mudança silenciosa, mas muito importante, foi feita aqui no conceito de “igualdade”: mudou de preço igual e uniforme para todos no livre mercado para proporção igual à renda nas mãos dos proponentes do imposto único.

“Subsídio”, o que é verdadeiro e falso

No cerne das premissas de justiça e neutralidade dos proponentes do imposto único, está seu desejo expresso de eliminar subsídios, que são considerados nocivos e não neutros para o livre mercado. O problema aqui é um equívoco sobre o termo “subsídio”. É certamente verdade que nosso sistema tributário e orçamentário está repleto de subsídios, propriamente definidos como tributar um grupo de pessoas para encher o bolso de outro, ou, em poucas palavras, roubar Pedro para pagar Paulo. Se você ou eu somos tributados para subsidiar produtores de tabaco, construtores de rodovias, empreiteiros ou beneficiários da previdência, então esses são de fato subsídios, casos em que pessoas produtivas estão sendo roubadas pelo governo para apoiar grupos que funcionam, na verdade, como parasitas dos produtores. São subsídios que devem ser eliminados imediatamente.

Mas e quanto a, digamos, deduções para pagamento de juros sobre hipotecas, créditos fiscais para investimento ou deduções para pagamento de impostos estaduais e locais? Em que sentido são “subsídios”? Em vez disso, o que realmente está acontecendo aqui é que algumas pessoas – proprietários, investidores ou contribuintes estaduais e locais – são graciosamente autorizados pelo governo a ficar com mais de seu próprio dinheiro do que ficariam de outra forma. Afirmo que ter permissão para ficar com mais do seu dinheiro arduamente ganho não é um subsídio em nenhum sentido verdadeiro; simplesmente significa que você está sendo tosquiado com menos intensidade do que teria sido. Se um ladrão o assalta na estrada e está prestes a fugir com todos os seus recursos, e você o persuade a deixá-lo ficar com uma passagem de ônibus, ele está “subsidiando” você? Certamente, não. A permissão para ficar com o seu próprio dinheiro dificilmente pode ser chamada de subsídio.

Agora, somos capazes de ver através de dois sentidos muito diferentes do conceito de “interesse especial”. É bem verdade que o plantador de tabaco ou o empreiteiro rodoviário que exigem avidamente os fundos do governo têm interesses especiais dedicados agressivamente a espoliar o contribuinte. Mas o investidor, ou o proprietário da casa, ou o capitalista de risco, ou quem quer que seja, que faz lobby para ser capaz de manter mais de seu próprio dinheiro, tem um “interesse especial” em um sentido muito diferente. Eles resistem, empenhados a defender seus próprios direitos e ativos contra ataques do governo. Eles podem ser “especiais”, mas estão, quer saibam ou não, empenhados no nobre esforço de defender os direitos e as liberdades de todos nós contra a agressão e a depredação.

Ao se concentrar nos defensores de suas propriedades e direitos como supostos requerentes de subsídios, os proponentes do imposto único estão se engajando em uma estratégia de “dividir para conquistar”. Os reformadores assumiram um movimento crescente de rebelião, ressentimento e clamor por impostos mais baixos e dividiram as forças pagadoras de impostos, encorajando um grupo de nós a tentar identificar e perseguir o outro grupo. Os proponentes do imposto único conseguiram mudar o foco da discussão de “impostos mais baixos para todos” para a proposição: “Se você quer que seus impostos sejam mais baixos, encontre e confisque os ativos dessas pessoas más, cujos impostos são ‘injustamente’ baixos”. O foco passa a ser aumentar os impostos do outro, em vez de diminuir os seus e os de todos os outros. Infelizmente, essa manobra inteligente dos proponentes de altos impostos parece estar funcionando.

Os proponentes do imposto único gostam de proclamar que seu plano é “neutro em termos de receita”, ou seja, a carga tributária geral não mudará. A redução de alguns impostos sobre os grupos de renda mais alta, então, deve ser compensada “ampliando a base” ou estendendo a carga tributária a mais pessoas e fontes de renda. Mas quem pode garantir que, uma vez que a base seja ampliada e mais fontes de renda sejam colocadas sob o controle do governo, ele não seguirá suas tendências naturais e mais uma vez aumentará os impostos para todos?

O que é uma brecha?

É irônico que o slogan “feche as brechas” (“close the loopholes”), que costumava ser uma marca registrada do liberalismo de esquerda, agora tenha sido adotado pelo governo Reagan e pelos contribuintes. O grande economista de livre mercado Ludwig von Mises uma vez se levantou em uma conferência sobre tributação que dedicou muita energia ao fechamento de brechas fiscais e fez a pergunta crucial: “O que é uma brecha?” Ele respondeu que a suposição dos teóricos da brecha parecia ser que toda a renda de todo mundo realmente pertence ao governo e que, se o governo não tributar tudo, está deixando uma “brecha” que deve ser fechada. O mesmo se aplica às deduções, isenções, créditos e todas as outras brechas de um imposto único tão condenado por nossos reformadores tributários.

Vamos agora considerar a questão controversa de acabar com a dedutibilidade de impostos estaduais e locais – um ponto vital para nossos reformadores –, porque acabar com a dedutibilidade proporcionará uma enorme bonança para nossos coletores de impostos federais. Os proponentes do imposto único argumentam que, ao permitir deduções, os cidadãos de cidades e estados com impostos baixos são “subsidiados” por cidadãos de estados com impostos altos e que o fim das deduções colocará todas as regiões em um plano de justiça e uniformidade.

O governador Mario Cuomo, em nome dos notoriamente oprimidos cidadãos de Nova York, aceitou a acusação de subsídio e, em seguida, eloquentemente a devolveu aos críticos de Nova York, perguntando: “O que há de errado com um subsídio? Você é contra os cidadãos de Nova York subsidiarem os produtores de tabaco na Carolina do Norte ou os empreiteiros de rodovias em Iowa?” Como um raro defensor consistente do liberalismo de esquerda, Cuomo foi capaz de revelar a hipocrisia daqueles cujos ataques aos subsídios sofrem habitualmente de um duplo (ou triplo) padrão conveniente. Sendo um liberal de esquerda, Cuomo não estava equipado para dar um passo adiante – sair do gigantesco sistema de subsídios e fazer a pergunta crucial: os habitantes de Iowa estão realmente subsidiando os nova-iorquinos sob dedutibilidade? Ou os nova-iorquinos oprimidos e cruelmente tributados estão sendo poupados de serem duplamente tributados em sua própria renda? O nova-iorquino médio não é responsável por seus altos impostos; ele sofre involuntariamente com os mais altos impostos sobre vendas, renda e propriedade do país. Por que ele deveria sofrer mais do que o cidadão médio de Iowa? O que há de tão “justo” nisso?

Os defensores do fim da dedutibilidade no governo Reagan oferecem um argumento pragmático ou estratégico em resposta. Se você aumentar a tributação dos nova-iorquinos, eliminando as deduções, eles vão se erguer e reverter os impostos do estado e da cidade de Nova York para o nível mais baixo de Iowa. Esse é o velho argumento do “quanto pior, melhor”, que, infelizmente, além de ser estratégico e não moral, nunca parece funcionar. Um dos principais argumentos para introduzir o imposto de renda no início do século XX era que, com isso, em contraste com a tarifa indireta, todos sentiriam diretamente tal imposto e, portanto, o público se levantaria para manter os impostos baixos. Obviamente, não funcionou assim. Em vez disso, mantivemos e aumentamos as tarifas, exploramos uma nova fonte de impostos e a elevamos a proporções gigantescas e incapacitantes.

“Justiça”: Igualdade de escravidão

Uma maneira dramática de olhar para o nosso sistema tributário em relação à questão do subsídio ou justiça é supor por um momento que estamos em 1850, e que surge a questão no Norte sobre o que deveria ser feito com os escravos que conseguiram escapar do Sul. Suponhamos que ambos os lados de um debate crescente sejam ardentemente a favor da liberdade e se oponham à escravidão. O Grupo A saúda a fuga dos escravos e defende sua libertação. Mas o Grupo B argumenta o seguinte:

  “É claro que somos tão ardorosos defensores da liberdade dos escravos quanto as pessoas do Grupo A. Mas acreditamos que é injusto que um grupo de escravos escape, enquanto o restante de seus irmãos e irmãs permanecem na escravidão. Portanto, sustentamos que esses fugitivos devem ser enviados de volta à escravidão até que todos os escravos possam ser libertados juntos e simultaneamente.”

O que pensaríamos de tal argumento? Chamar isso de especioso seria um eufemismo gentil. Mas eu proponho que os que acreditam no livre mercado estão argumentando exatamente da mesma maneira quando dizem que todos os impostos devem ser uniformes e todas as deduções ou isenções fiscais específicas devem ser canceladas até que os impostos de todos possam ser reduzidos uniformemente. Em ambos os casos, os igualitários estão argumentando não por liberdade igual, mas por escravidão igual ou roubo igual em nome da “justiça”. Em ambos os casos, a refutação sustenta que a escravidão ou pilhagem de um grupo não pode de forma alguma justificar a escravidão ou pilhagem de outro, seja em nome da justiça, equidade ou o que quer que seja.

O argumento em favor da má alocação de recursos

O argumento mais sofisticado dos reformadores do imposto único é de que as deduções, isenções e brechas distorcem a alocação de recursos com relação àquela que ocorreria no livre mercado e, portanto, devem ser abolidas. Isso é parte integrante do argumento da neutralidade em relação ao mercado e é particularmente insidioso, porque faz com que os reformadores pareçam ser dedicados e versados defensores do livre mercado.

Tomemos, por exemplo, dois créditos ou deduções: um crédito fiscal de investimento e um crédito de energia. Os reformadores argumentam que o resultado do “subsídio” dos créditos tributários é que mais recursos estão indo para investimento ou energia, e menos para outras áreas, do que iriam no livre mercado, e que, portanto, esses créditos devem ser eliminados.

É verdade que mais recursos agora estão indo para investimento, energia e uma série de outras áreas do que em um sistema de mercado puramente livre. Mas os reformadores omitem um ponto crucial: qual é a alternativa? Se os créditos ou deduções a investimentos, energia ou outros setores forem abolidos, os recursos não irão automaticamente para áreas mais produtivas; em vez disso, eles vão para o governo, por meio de impostos mais altos. Em suma, as alternativas aos créditos de energia não são apenas energia ou todos os outros consumos e investimentos. São três: energia, outras formas de despesa e governo. E um imposto mais alto será simplesmente desperdiçado, jogado no bueiro dos gastos improdutivos e esbanjadores do governo. Em resumo, não há desperdício – nenhuma alocação incorreta – que se iguale ao governo; qualquer outra coisa seria uma melhoria.

O caminho para sair da bagunça

As conclusões políticas que fluem de nossa análise são diametralmente opostas às dos proponentes do imposto único. Ao olhar para a história da reforma e para os argumentos dos proponentes do imposto único, é quase capaz de simpatizarmos com Richard L. Doernberg, professor de Direito na Emory University, que lava as mãos e conclui que “temos um sistema péssimo; melhor não mexer nele ou vai piorar”. Doernberg insiste que o código tributário atual, por pior que seja, deve permanecer exatamente do jeito que está para sempre, para que pelo menos as pessoas conheçam a partitura e sejam capazes de planejar em torno de suas disposições.

Mas podemos fazer melhor do que isso. Temos que olhar de forma diferente para a tributação. Temos que parar de olhar para os impostos como um sistema poderoso para alcançar objetivos sociais, que apenas precisa ser tornado “justo” e racional para dar início à utopia. Temos que começar a ver a tributação como um vasto sistema de roubo e opressão, pelo qual algumas pessoas podem viver de forma coercitiva e parasitária às custas de outras. Devemos perceber que, do ponto de vista da justiça ou da prosperidade econômica, quanto menos as pessoas forem tributadas, melhor. É por isso que devemos nos alegrar a cada nova brecha, novo crédito, nova manifestação da economia “clandestina”.

A União Soviética só pôde produzir ou trabalhar na medida em que os indivíduos eram capazes de evitar a miríade de controles, impostos e regulamentações. O mesmo é verdade para a maioria dos países do Terceiro Mundo, e o mesmo é cada vez mais verdade para nós. Toda atividade econômica que escapa aos impostos e controles não é apenas um golpe para a liberdade e os direitos de propriedade; é também mais um exemplo de um fluxo livre de energia produtiva saindo da repressão parasitária.

É por isso que devemos dar as boas-vindas a cada nova brecha, proteção, crédito ou isenção, e trabalhar não para eliminá-los, mas para expandi-los para incluir todos os outros, incluindo nós mesmos.

Se, então, o padrão para uma reforma adequada é reduzir todo e qualquer imposto o máximo possível, como os serviços do governo podem ser fornecidos? Para responder, devemos examinar com atenção os serviços do governo. São “serviços” ou personificações da repressão? Ou são “serviços”, na melhor das hipóteses, que ninguém realmente deseja? E se forem serviços genuínos, não seriam fornecidos de forma mais eficiente, bem como voluntariamente, pela iniciativa privada? E se nossos amigos reformadores tributários estão tão preocupados com o livre mercado, não deveriam eles responder a esta pergunta: por que não enfatizar a privatização e, assim, reduzir drasticamente ou até mesmo eliminar os serviços do governo? Isso não seria realmente neutro e consistente com o livre mercado? Como explicamos o fato de que, se voltarmos aos primeiros anos de nossa nação, o nível de gastos e impostos do governo – mesmo ajustados pela inflação e pelo crescimento da população – era enormemente menor, em todos os níveis de jurisdição, do que é hoje? E ainda assim a República sobreviveu, e até floresceu.

Devemos, em suma, superar o estratagema favorito dos reformadores tributários de neutralidade de receita. Por que a receita total deve permanecer a mesma? Em vez disso, deve ser baixada drasticamente e tanto quanto possível.

Voltamos agora à velha questão da “justiça”: se sobraram impostos ou gastos do governo após nossos cortes drásticos, como os impostos restantes deveriam ser cobrados? Aqui, reabrimos o ponto de que a justiça é a maior aproximação possível da neutralidade em relação ao livre mercado. Um método seria taxas de usuário, de modo que apenas usuários diretos paguem por um serviço e não haja coerção extra para não usuários. Quanto ao resto, devemos nos basear no sistema de livre mercado de um preço por um bem ou serviço. Podemos então sugerir um sistema não de imposto de renda proporcional igual, mas de imposto igual, ponto final. Este é o antigo sistema do “imposto por cabeça”, em que cada cidadão paga anualmente uma quantia igual ao governo, em pagamento por quaisquer serviços que possam ter sido conferidos a ele pela existência do governo durante aquele ano. A abolição do imposto de renda significaria o fim da espionagem e vigilância da Receita Federal, bem como a eliminação de vastas distorções econômicas e opressão causadas pelo sistema; o fim dos impostos sobre vendas e propriedades também seria um grande benefício para a liberdade e a prosperidade de todos.

Teríamos assim, e somente assim, um sistema tributário que verdadeiramente, e finalmente, cumprisse os objetivos proclamados de nossos reformadores proponentes do imposto único. Pois aqui haveria um sistema que seria verdadeiramente simples, verdadeiramente justo e genuinamente neutro para o livre mercado. Na falta dessa meta, poderíamos nos contentar temporariamente com a interessante variante da proposta de imposto único do ex-congressista Ron Paul: reduzir todas as alíquotas de imposto de renda para 10%, enquanto, ao mesmo tempo, manter todas as deduções, créditos e isenções existentes. O princípio deve ser claro: apoiar todas as reduções de impostos, sejam elas menores alíquotas ou ampliação das isenções e deduções; e se opor a todos os aumentos de tarifas ou reduções de isenção. Em suma, procurar, em todas as instâncias, remover ao máximo a praga da tributação. Aqui está uma reforma que, pelo menos, não poderia se enquadrar na definição de Mencken de um complô para prejudicar o contribuinte.


Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies.

Fonte: Mises Brasil

Por que a tese do “estado empreendedor”, bastante em voga, é apenas um mito

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Em 2011, uma economista chamada Mariana Mazzucato, formada pela New School, de Nova York, e que atualmente leciona “Economia da Inovação” na Universidade de Sussex, publicou uma breve monografia, que mais tarde viria a se transformar em livro.

O título do livro já se transformou em uma palavra de ordem: O Estado Empreendedor.

Segundo Mazzucato, o estado empreendedor é o responsável por maravilhosas inovações — como o Concorde (uma empreitada anglo-francesa) — que foram recusadas por empresas privadas e também por consumidores.

A essência do argumento dela, porém, não consegue escapar daquela rotineira crença estatista: contrariamente ao que dizem economistas “neoliberais“, o papel da economia de mercado na criação de bens e serviços é bastante superestimado, ao menos no que diz respeito a estimular inovações. 

A inovação é descentralizada

A principal premissa de quem acredita em um estado empreendedor é que o investimento público é quem conduz a inovação. 

Mazzucato afirma que o estado tem de impor um tipo de “direcionalidade” às empresas privadas, para assim conduzi-las a um ponto ótimo determinado por especialistas.

Entretanto, não é assim que inovações acontecem. Inovações, por definição, ocorrem de baixo para cima, e não de cima para baixo. São pessoas livres, agindo de modo espontâneo e visando ao próprio interesse, que criam os produtos inovadores de amanhã. A ideia de que burocratas sabem melhor como criar produtos inovadores é uma crença sem nenhuma sustentação prática.

Foram empresas privadas, competindo entre si pela supremacia na comunicação portátil, que nos trouxeram a engenhosidade do smartphone. A Tesla hoje produz alguns dos mais avançados carros elétricos do mundo, disponíveis para consumo em massa. O CEO da Tesla, Elon Musk, é o exato oposto de um burocrata meditativo que Mazzucato acredita ser o condutos das inovações: um homem que oferece quatro modelos de carro chamados S, 3, X, Y, vende lança-chamas, privatizou a corrida espacial, e recentemente lançou uma linha de tequila.

Ou então Travis Kalanick, um bad boy que desafiou leis ao lançar a Uber, que possibilitou que até mesmo os mais pobres tivessem o luxo de um motorista particular (e barato) disponível a apenas um clique de celular. Kalanick transformou um mero conceito em uma marca global que corajosamente desafia monopólios protegidos pelo estado, como o cartel dos taxis.

Se algo, as personalidades de Elon Musk e Travis Kalanick podem ser a representação ideal de como a inovação ocorre: não por decretos estatais ou ideias centralizadas feitas por “especialistas”, mas sim por empreendedores excêntricos, atrevidos e livres, que não pedem permissão e nem precisam de carimbos do estado para experimentar suas inovações.

A premissa do estado empreendedor

Para Mazzucato, no entanto, várias estupendas inovações, as quais radicalmente mudaram nossas vidas, foram apenas “apropriadas e comercializadas” por empreendedores privados, tendo sido, na realidade, geradas por intervenções estatais, algumas delas feitas com décadas de antecedência.

Consequentemente, empresas em busca do lucro apenas pegaram uma carona no empreendedorismo estatal, e com isso capturaram várias receitas. Algo vergonhoso para elas, e algo digno de profusos elogios para o governo, conclui Mazzucato.

Apenas pense, diz Mazzucato, no iPhone, no GPS, na Internet. Não seriam todos estes bens o resultado de uma visão de longo prazo do governo americano, especialmente do exército americano? Mazzucato garante que sim.

Só que há um grande problema: em todo o seu livro, ela não apresenta nenhuma evidência e nem nenhuma verdadeira lógica econômica. Em específico, seu relato sobre como inovações surgem é bizarramente falso.

GPS

O GPS, por exemplo, era de fato uma tecnologia militar no começo. Ele foi concebido para servir a um propósito militar: localizar as forças no campo de batalha. Porém, subsequentemente, a tecnologia passou a exigir maciças adaptações e volumosos aperfeiçoamentos. Tudo isso foi feito por contínuos investimentos privados, até que o GPS se tornou item de rotina em automóveis e, hoje, está nas mãos de qualquer pessoa que tenha um smartphone. 

Mas não é só. Inicialmente, o GPS foi uma ideia de uma estrela de Hollywood chamada Hedy Lamarr, nascida em Viena. Hedy criou a tecnologia básica para o GPS durante a II Guerra Mundial. Judaica de origem e aterrorizada com o avanço nazista, queria ajudar os EUA e os aliados. Havia aprendido sobre radiocomunicação graças à convivência, ainda na Áustria, com o ex-marido, Fritz Mandl, um rico fabricante de armas e seus colegas engenheiros. Em 1940, conheceu o compositor George Antheil, também curioso por ciência. Certa noite, quando tocavam piano, ela se deu conta de que cada tecla emitia uma frequência de longo alcance diferente. E, assim como elas se alternavam rapidamente em uma música, talvez algo parecido pudesse ser aplicado aos espectros de comunicação militar. 

Aprimorada por Antheil, a análise de Lamarr originou o sistema “salto de frequência”, no qual estações de radiocomunicação eram programadas para mudar de sinal 88 vezes seguidas (o mesmo total de teclas de um piano). Com isso, as forças inimigas teriam dificuldade em detectar esse registro alternado, que poderia ser então usado por navios e aviões, para orientar torpedos.

A dupla chegou a patentear a ideia e a ofereceu à Marinha dos EUA, mas foi rejeitada, sob o argumento de que seria demasiadamente cara.

Internet e aviões

Já um dos argumentos aparentemente mais convincentes feito por Mazzucato (e por outros como ela) é o de que a agência americana de pesquisa militar conhecida como DARPA inventou a internet. 

Se o estado inventou a internet, então é óbvio que ele é capaz de impressionantes feitos de inovação. Basta que ele tenha mais receitas de impostos…

Para começar, a pergunta a ser feita é se o governo americano de fato visualizou algo como a internet. A resposta é óbvia: é claro que não. Não havia nenhum objetivo neste sentido. O investimento feito pelos militares foi semelhante às viagens de Cristóvão Colombo: o estado “empreendedor” descobriu as Índias Ocidentais tendo partido em busca das Índias Orientais.

Na década de 1960, a Força Aérea começou a considerar como uma rede de comunicação descentralizada, fora da tradicional rede telefônica, poderia operar. Mas o Departamento de Defesa suspendeu as pesquisas e não mais tomou nenhuma medida.

A DARPA então criou a ARPANET, que tinha o objetivo exclusivo de interligar as bases militares e os departamentos de pesquisa do governo americano por meio de uma conexão entre duas ou mais redes de computadores.

A DARPA, por si só, jamais teria financiado uma rede de computadores para facilitar a troca de e-mails porque o telefone já servia perfeitamente ao objetivo de efetuar uma comunicação pessoa a pessoa.

Posteriormente, essa ideia se expandiu e virou a internet. Mas essa expansão e difusão ocorreu por meio do desenvolvimento da rede em ambiente livre, não militar — ou seja, privado —, em que não apenas os pesquisadores, mas também seus alunos e os amigos desses alunos, puderam ter acesso aos estudos já empreendidos e usaram sua inteligência e desenvolveram esforços para aperfeiçoá-los.  

Foram jovens da chamada “contracultura” — e não funcionários do estado —, ideologicamente defensores da difusão livre de informações, que realmente contribuíram decisivamente para a formação da Internet como hoje é conhecida.

Vinton Cerf foi o indivíduo que desenvolveu os protocolos TCP/IP, que são a espinha dorsal (a rede de transporte) da internet. Tim Berners-Lee merece os créditos pelos hyperlinks. Mas foi nos laboratórios da Xerox PARC, no Vale do Silício, na década de 1970, que a Ethernet foi desenvolvida para conectar diferentes redes de computadores.  

Isso mostra que a contribuição do governo para a criação de coisas como a internet não só foi não-intencional, como também pode ter sido deletéria. A inovação, por definição, é um esforço caótico, que requer um longo processo de tentativa e erro no mercado, e não a simples aprovação de burocratas e “especialistas”. Se a invenção e o progresso dependessem da chancela de Ph.D.s, talvez ainda não teríamos saído da era das carruagens.

Sobre isso, um famoso exemplo é o advento do avião. 

Após um teste fracassado, burocratas do governo compreensivelmente disseram que viagens aéreas seriam algo impossível. Olhando para o passado, estes comentários da época (sobre a impossibilidade de o homem voar) soam cômicos, mas o fato é que se permitirmos que o estado e seu exército de “especialistas” imponham suas criações planejadas, o processo de inovação simplesmente ficaria estagnado.

Com efeito, em 1903, o The New York Times, consultando especialistas do governo, previu que viagens aéreas só ocorreriam dali a, pelo menos, 1 milhão de anos. Apenas alguns meses depois, dois mecânicos de bicicletas, os irmãos Wilbur e Orville Wright construíram o primeiro avião funcional em sua garagem, mudando o mundo para sempre [ou então o primeiro foi Santos Dumont, o debate prossegue até hoje].

Mazzucato e a tese da cadeia quebrada

A inovação, por definição, ocorre na ausência de direcionamentos estatais. Algo não tem como ser inovador se foi completamente planejado.

Essa suposta função de “direcionalidade” dada pelos investimentos do governo — que é o que defende Mazzucato e seus seguidores — não combina com engenhosidade e descobertas. 

O processo do descobrimento de uma ideia e sua subsequente implantação é a total antítese de um processo centralizado. 

Mazzucato relata, como se fosse uma evidência definitiva, que a National Science Foundation concedeu uma pequena bolsa de estudos a um jovem PhD que acabou por inventar a tecnologia do touchscreen. Disto ela conclui que tal invenção se deve ao estado.

No entanto, foi a criatividade deste indivíduo em uma sociedade livre, e não direções coercitivas dadas pelo governo, que geraram a inovação. Pensar o contrário significa pensar que qualquer coisa que tenha algo estatal em sua cadeia de produção é A Causa de sua existência — por exemplo, a estrada que leva ao edifício da Google é a responsável pela existência da empresa.

Este argumento estatista confunde condições benignas — como a bolsa de estudo ou a estrada para a Google — com condições cruciais e poderosos, como uma sociedade livre na qual inovações podem prosperar sem serem punidas e sem terem de pedir permissão para comitês centrais.

Ao pensar assim, Mazzucato incorre na falácia da “cadeia de suprimentos com elos insubstituíveis”. Segundo esta tese, todos os elos de uma cadeia de produção são fixos: nenhum elo na cadeia pode ter uma alternativa. Se um elo quebrar, tudo está perdido. É a teoria por trás do bombardeio estratégico: se você bombardear uma junção ferroviária na França de 1944, não haveria alternativa para os invasores alemães; eles não conseguiriam trazer mais suprimentos para as tropas estacionadas na França.

Trata-se da crença de que há “estruturas” fixas de produção.

Se você, assim como Mazzucato, acredita que todos os elos de uma cadeia de suprimentos são imprescindíveis e insubstituíveis, então nenhuma alternativa pode ser criada pela mente humana. Daí se torna fácil concluir que o “empreendedorismo” do governo é crucial, pois os governos modernos são onipresentes. Se você olhar para a cadeia de suprimento de qualquer inovação, e procurar algum exemplo de atuação estatal, sem considerar alternativas privadas, você concluirá que o governo produz tudo. A estrada que leva às instalações da Google em Mountain View é municipal. Logo, pela lógica de Mazzucato, foi a prefeitura local quem possibilitou a Google.

Adulando os mestres

O livro de Mazzucato recebeu copiosos elogios de políticos e acadêmicos, e consequentemente ela passou a ter uma próspera carreira como consultora de governos. Ótimo para ela.

No entanto, falemos a verdade: tudo o que ela fez, no final, foi fornecer uma narrativa lisonjeira para políticos. E economistas adoram virar conselheiros do Príncipe. Eles fornecem uma narrativa que justifique os instintos naturais dos políticos. Assim como empreendedores privados implacavelmente querem produzir bens e serviços que os consumidores querem comprar, políticos também implacavelmente buscam poderes coercitivos sobre estes mesmos consumidores. Quanto mais eles puderem coagir a sociedade, e quanto maior o número de pessoas dependentes deles, mais felizes eles ficam.

E, por trás de tudo, há apenas aquela antiga crença de que economistas devem gerenciar o mundo.

Mazzucato, um filha devota da esquerda, desconfia de empreendedores buscando ganhos privados. Ela quer que o estado, seguindo as consultorias dela, decida por você. 

Conclusão

Criatividade só se converte em inovação quando o papel de descobrir as melhores oportunidades cabe ao empreendedor, e não ao burocrata.

Empreendedores surgem com uma ideia nova; essa é a parte da inovação. O sistema de lucros e prejuízos sinaliza ao mercado se esse empreendedor teve sucesso ou fracasso em criar valor para terceiros. Se ele tiver tido lucro, outros produtores respondem a esses sinais de lucro entrando neste mercado e produzindo um bem similar. Esse é o processo de imitação e aprendizado econômico.

Já Mazzucato defende que governo trate o empreendedorismo como se este fosse algo relacionado a planejamentos estratégicos e burocráticos, quando, na verdade, é um processo de descobertas inovadoras. 

E a competitividade de uma economia depende desse processo de descobertas.

A inovação e a criatividade são características intrínsecas do ser humano. E elas se desenvolvem com maior ímpeto naqueles países em que predomina a liberdade econômica, a qual permite que as pessoas possam se arriscar e usufruir os benefícios de seus empreendimentos. 

A tese de que a intervenção estatal é a chave para que este processo se desenvolva não apenas atenta contra a lógica econômica, como também serve apenas como argumento para intensificar políticas intervencionistas, as quais sempre se comprovam nocivas para o desenvolvimento de longo prazo dos países.

Quem deve escolher os vencedores do mercado não são os burocratas do estado, como que Mazzucato, mas sim os milhões de consumidores.


Anthony P. Geller é formado em economia pela Universidade de Illinois, possui mestrado pela Columbia University em Nova York e é Chartered Financial Analyst credenciado pelo CFA Institute.

Boas ideias são fundamentais na guerra contra ideias ruins

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Escrevendo décadas atrás, Friedrich Hayek observou: “Em todos os países democráticos… prevalece uma forte crença de que a influência dos intelectuais na política é insignificante.” Hayek admitiu que isso era verdade “na medida em que eles podem influenciar o voto popular em questões nas quais eles diferem das visões atuais das massas”, mas ele alertou que, “durante períodos um pouco mais longos, eles provavelmente nunca exerceram uma influência tão grande. como fazem hoje. … Esse poder que eles exercem moldando a opinião pública”. Hoje, o papel dos intelectuais é mais reconhecido, pelo menos no papel de educadores em escolas e faculdades, na formação da ideologia do público em geral.

Mas o poder desses intelectuais se estende além até mesmo das escolas. De fato, é impossível recorrer a qualquer instituição, ao que parece, onde as pessoas em posições de liderança não pressionem por um controle governamental cada vez maior sobre nossas vidas. As instituições permeadas por essas ideias incluem, aparentemente, a maioria das instituições culturais, educacionais, comerciais e religiosas.

Isso não é um acidente. O público em geral foi profundamente afetado ao longo das décadas pelo que Hayek chama de “os negociantes profissionais de ideias de segunda mão”, que garantiram que qualquer pessoa que entrasse em contato com essas instituições fosse “educada” sobre a importância da ideologia intervencionista moderna.

Afinal, como observou Hayek, “o socialismo nunca e em lugar nenhum foi a princípio um movimento da classe trabalhadora”. Em vez disso, há muito tempo é domínio de artistas, gerentes, professores e líderes religiosos que continuamente inserem essas ideias na vida diária daqueles sob sua influência.

Muitos oponentes do socialismo e do intervencionismo assumem erroneamente que essas ideias podem ser detidas no nível político – que se alguns lobistas e ativistas políticos forem empregados, o sistema político estará protegido de más ideias.

Mas nessa fase do jogo, já é tarde demais.

Ideologias ruins culminam em políticas ruins

Em um país democrático, as ideias socialistas e intervencionistas ganham força apenas quando são apoiadas – ou pelo menos toleradas – por uma parcela considerável do público em geral. E como é fabricada a aceitação dessas ideias? Por anos de formação de opinião impulsionada por intelectuais nas instituições culturais e educacionais.

Mas como confrontar essas ideias?

A resposta está em combater a economia ruim com a boa economia e oferecer uma visão precisa da história no lugar de uma falsa retórica.

Afinal, quando se trata de história, todos nós aprendemos incansavelmente na escola – e praticamente em todos os outros lugares – que a história do mundo nos mostra que o capitalismo e a industrialização resultam em trabalhadores explorados, pobreza extrema e poluição ambiental. E é somente através da intervenção e regulamentação do governo que esses problemas podem ser resolvidos.

Uma visão mais honesta e precisa da história, porém, mostra que isso não é verdade. Na vida real, o capitalismo e a industrialização levaram a aumentos sem precedentes no padrão e na qualidade de vida.

Mas onde as pessoas encontrarão essa história? Certamente não nas escolas, em filmes populares ou na televisão.

Com a economia, o problema é semelhante. O público é constantemente confrontado com a ideia de que as leis econômicas não existem e que a prosperidade econômica requer apenas a vontade de ter o comando do governo para que todos se tornem mais ricos.

Enquanto essa ideia persistir sem contestação, pouco poderá ser feito para promover a verdadeira prosperidade econômica.


Ryan McMaken é bacharel em economia e mestre em políticas públicas e relações internacionais pela Universidade do Colorado. É editor sênior do Mises Institute.

Fonte: Mises Brasil

O capitalismo cooperativo de Adam Smith

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Pessoas importantes na história são normalmente comemoradas em seus aniversários. Mas alguns têm aniversários desconhecidos, tornando essa tradição difícil de honrar. Por exemplo, Adam Smith, o economista mais famoso da história, ilustra essas dificuldades. Algumas fontes listam seu nascimento em 16 de junho de 1723, enquanto outras o colocam em 5 de junho daquele ano (devido ao uso de diferentes calendários). Outros ainda dizem que não sabemos quando ele nasceu, mas dão uma dessas datas como quando ele foi batizado, do qual temos um registro.

Apesar desse problema, temos certeza de que este ano é o tricentenário do nascimento de Adam Smith, tornando este um momento muito apropriado para lembrá-lo e celebrar seus valiosos insights. 

Prevejo alguns artigos sobre as contribuições de Smith para a compreensão econômica em seu 300º aniversário, como sua articulação de como a “mão invisível” das interações de mercado pode coordenar uma sociedade baseada na liberdade – isto é, propriedade privada e troca voluntária – de forma mais eficaz do que o poder coercitivo do Estado. Citando Smith, “Ao perseguir seu próprio interesse, ele frequentemente promove o da sociedade de forma mais eficaz do que quando realmente pretende promovê-lo”. Então, pensei em me afastar um pouco dos caminhos já conhecidos e considerar sua magistral refutação preventiva a décadas de alegações de que os arranjos voluntários de mercado (ou capitalismo, um termo usado para falsamente sugerir que apenas os proprietários do ganho de capital do sistema) representam uma selva de cão que come cão de uma sociedade.

Tais reivindicações circularam por tempo suficiente para se tornarem incorporadas na sociedade. Por exemplo, várias canções incluem tais frases. Mas meu exemplo favorito vem de um episódio de Cheers, quando Woody perguntou a Norm como estavam as coisas. Norm respondeu: “É um mundo de cão comendo cão, Woody, e estou usando roupas íntimas”. No entanto, mesmo quando usada de forma humorística, a frase me impressiona porque não conheço ninguém que já tenha visto um cachorro comer outro cachorro, e fazer uma analogia com algo que não acontece sendo uma coisa notavelmente fraca. Na verdade, o Oxford English Dictionary remonta a frase “dog eat dog” até 1794, mas observa que é uma corruptela do latim “canis caninam non est”, que afirmava o contrário: aquele cachorro não come cachorro.

Se, apesar dessa inadequação, essas descaracterizações dos arranjos de mercado puderem ser aceitas, isso dá àqueles que desejam avançar em suas agendas violando os direitos de propriedade das pessoas uma alavanca para descartar as montanhas de evidências em favor da coordenação social voluntária do capitalismo como, em vez disso, um sistema vicioso e feio, um processo nocivo.

A refutação de Adam Smith a tais afirmações vem no livro mais famoso da economia — Riqueza das Nações —, que permanece no prelo desde o ano em que os colonos americanos emitiram a Declaração de Independência. Ele aparece no Livro 1, Capítulo 2, portanto, mesmo um esforço mínimo para entender seu raciocínio levaria o leitor até lá. Além disso, uma das citações mais famosas do livro atrai a atenção no meio da discussão que “não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas de sua consideração para nós nos dirigimos, não à sua humanidade, mas ao seu amor-próprio, e nunca lhes falamos de nossas próprias necessidades, mas de suas vantagens”.

Smith observou que os cães não têm direitos de propriedade, assim como os humanos, pois “ninguém jamais viu um animal por seus gestos e gritos naturais significar para outro, isso é meu, aquilo é seu”. Eles não têm “as facilidades da razão e da fala” que os capacitariam a negociar e fazer contratos. Eles não trocam uns com os outros e “nunca ninguém viu um cachorro fazer uma troca justa e deliberada… com outro cachorro”. Os cães, portanto, não produzem uns para os outros, beneficiando-se uns aos outros com base na troca dos frutos de seus diferentes talentos e especializações “por falta de poder ou disposição para escambo ou troca”, eles “não contribuem em nada para o melhor acomodação e conveniência da espécie”, e assim cada um “não obtém nenhum tipo de vantagem daquela variedade de talentos com os quais a natureza distinguiu seus semelhantes”.

A ausência de quaisquer direitos dos animais além de sua própria capacidade de dissuadir as invasões de outros animais significa que eles não têm as proteções de direitos de propriedade privada que Herbert Spencer descreveu como “uma insistência de que os fracos devem ser protegidos contra os fortes”, e John Locke chamou a razão de “homem… está disposto a se juntar à sociedade”. E ignorar por que as pessoas, ao contrário dos animais, se unem na sociedade é fatal para qualquer equação convincente de um sistema de arranjos voluntários para uma selva de “cão-comedor de cão”.

A ausência de troca e produção para outrem entre os animais cria um mundo de soma zero, em que o que um ganha, o outro perde. A competição restrita a tais circunstâncias pode, de fato, ser uma luta viciosa, de vida ou morte. Mas essa não é a competição de mercados. Essa é a competição da guerra, motivada pelo desejo de anular os direitos de outras pessoas.

O comportamento “eu ganho, você perde” remonta a recursos dados e limitados, o que não é a situação que as pessoas enfrentam sob o capitalismo, que fez mais do que qualquer outra “descoberta” social para substituir esse comportamento por possibilidades ganha-ganha.

As pessoas, no entanto, que são protegidas por direitos de propriedade privada e pelo direito derivado de contratar, estão unidas pelos vastos benefícios mútuos que a produção e a troca mútua podem gerar a partir de nossas dramáticas diferenças de interesses e habilidades. Em vez de um jogo de soma zero, a competição de mercado produz um “jogo” de soma incrivelmente positiva, no qual cada um se beneficia ao encontrar mais e melhores maneiras de beneficiar os outros, o que George Reisman reconheceu como produzindo uma situação em que “o ganho de um homem é positivamente o ganho de outros homens”. E vem através da capacidade de criar e trocar com os outros, que Smith observou, é “comum a todos os homens e não é encontrado em nenhuma outra raça de animais”, razão pela qual, para o homem, “a maior parte de seus desejos ocasionais são fornecidos por… tratados, por escambo e por compra”, o que, por sua vez, “dá lugar à divisão do trabalho” e à expansão massiva da produção que possibilita expansões massivas do consumo.

Não faz sentido retratar a cooperação voluntária que deve respeitar os direitos dos participantes como uma batalha desesperada pela sobrevivência, onde “vale tudo”. Tal comportamento “eu ganho, você perde” remonta a recursos limitados e dados, que não é a situação que as pessoas enfrentam sob o capitalismo, que fez mais do que qualquer outra “descoberta” social para substituir tal comportamento por possibilidades ganha-ganha. Nas palavras de Smith, “Entre os homens… os gênios mais diferentes são úteis uns aos outros… onde cada homem pode comprar qualquer parte do produto dos talentos de outros homens que ele tenha necessidade.” Desde que a propriedade das pessoas sobre si mesmas e sua produção seja respeitada, seus arranjos voluntários são o meio pelo qual todos ganham. E esse mundo homem-servindo-homem está muito longe de ser um mundo cão-come-cão.

Além de demolir a ideia de que os mercados representam uma selva de cães comendo cães (que é, de fato, uma descrição muito mais próxima das “soluções” do governo, apoiadas por seu poder de coagir as pessoas contra sua vontade), Smith oferece outras percepções sobre o que os mercados representam e realizam. Eles também revelam como os arranjos de mercado voluntários e baseados na propriedade privada são diferentes de tais epítetos. Para evitar aprofundar demais o ponto, considere apenas quatro das minhas citações favoritas de Smith sobre o assunto: 

O esforço uniforme, constante e ininterrupto de cada homem para melhorar sua condição… muitas vezes sobrecarrega suas operações.

Em meio a todas as extorsões do governo… o capital foi silenciosa e gradualmente acumulado pela frugalidade privada e boa conduta dos indivíduos, por seu esforço universal, contínuo e ininterrupto para melhorar sua própria condição. É esse esforço, protegido por lei e permitido pela liberdade de se exercer da maneira mais vantajosa, que tem mantido o progresso.

Pouco mais é necessário para levar um estado ao mais alto grau de opulência da mais baixa barbárie, senão paz, impostos fáceis e uma administração tolerável da justiça; todo o resto sendo causado pelo curso natural das coisas.

Todos os sistemas de preferência ou de restrição, portanto, sendo assim completamente removidos, o sistema óbvio e simples de liberdade natural se estabelece por si mesmo. Todo homem, contanto que não viole as leis da justiça, é deixado perfeitamente livre para perseguir seu próprio interesse à sua maneira e colocar sua indústria e capital em competição com os de qualquer outro homem.

O primeiro dos meus favoritos enfatiza que, em vez de produzir uma selva de danos, o interesse próprio, sujeito apenas à necessidade de respeitar os direitos de propriedade e cumprir os contratos acordados voluntariamente, é capaz de produzir riqueza e prosperidade, combinado com o reconhecimento de que o governo muitas vezes é o problema e não a solução. A segunda reforça a primeira, enfatizando o fato de que a competição nos mercados leva à boa conduta, não à conduta viciosa que os oponentes da liberdade econômica usam como falsa premissa para suas desejadas “reformas”. O terceiro continua o tema, com foco no principal problema a esse respeito, que é a falha do governo em proteger os direitos de propriedade e os arranjos voluntários, que é seu papel principal, senão o único, que serve para promover o que a Constituição Americana chamou de Bem-Estar Geral.

O tricentenário de Adam Smith justifica uma consideração renovada de sua sabedoria sobre cooperação social mutuamente benéfica. É particularmente importante em um momento em que os governos há muito honram suas ideias muito mais na violação do que na observância. Uma vez que a ideia de mercados como selvas do tipo “cão come cão” desempenhou um papel nesse resultado destrutivo, talvez devêssemos honrar Smith reconhecendo que tal calúnia é totalmente imprecisa e, assim, eliminar uma falsa premissa subjacente por tantas estradas erradas que deveriam ter sido menos percorridas. 


Gary M. Galles é professor de Economia na Universidade Pepperdine, onde leciona há 40 anos. Durante 25 desses anos, ele também lecionou no Departamento de Economia da UCLA. É acadêmico adjunto no Instituto Ludwig von Mises, membro sênior do Instituto Americano de Pesquisa Econômica, membro da rede de professores da Fundação para Educação Econômica, pesquisador do Instituto Independente e membro do Conselho de Conselheiros de Políticas do Heartland Institute.

Fonte: Law & Liberty

São Tomás de Aquino, O Senhor dos Anéis e a virtude da prudência

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Na vastidão das obras literárias e filosóficas, algumas histórias transcendem o tempo e oferecem uma riqueza de ensinamentos que vão além de mero entretenimento. “O Senhor dos Anéis”, a aclamada obra de J.R.R. Tolkien, é um exemplo disso. A sua conexão com a filosofia de São Tomás de Aquino, um dos maiores pensadores da Idade Média, e a virtude da prudência exemplifica como a última desempenha um papel fundamental na vida dos personagens e como pode ser aplicada em nossas próprias vidas.

A pessoa prudente é aquela que age de forma ponderada, levando em conta a sabedoria adquirida pela experiência e pelo conhecimento, evitando impulsividade e tomando decisões com cuidado e responsabilidade. A prudência não se limita apenas à autoproteção, mas também considera o bem-estar dos outros e o impacto de nossas ações no contexto social. É uma virtude fundamental para uma vida equilibrada, guiada pelo bom senso e pela razão, buscando o alcance de fins nobres e evitando excessos e perigos desnecessários.

São Tomás de Aquino, um teólogo e filósofo dominicano do século XIII, cujas obras ainda são amplamente estudadas e admiradas nos dias de hoje, defendia, em sua abordagem filosófica, o tomismo, ideia caracterizada pela sua aceitação do uso da razão na especulação teológica, mas sem confundir seu domínio com o da fé, em uma notória a influência platônica e, sobretudo, aristotélica.

Dentre as muitas virtudes discutidas por Aquino, destacou-se a virtude da prudência como a capacidade de discernir o que é bom e agir corretamente em diferentes situações. Ela envolve a razão prática, que nos permite escolher os meios adequados para atingir fins nobres.

A virtude da prudência

Dentre as muitas virtudes discutidas por Aquino, destaca-se a virtude da prudência. Podemos defini-la como a capacidade de discernir o que é bom e agir corretamente em diferentes situações. Ela envolve a razão prática, que nos permite escolher os meios adequados para atingir fins nobres.

Aquino entendia a prudência como uma das quatro virtudes cardeais, juntamente com a justiça, a fortaleza e a temperança. É a virtude que governa a razão prática, ou seja, a capacidade humana de tomar decisões com base na moralidade, nos permitindo discernir o que é bom e agir corretamente.

Uma característica fundamental da prudência é o uso adequado da razão. Ela envolve a aplicação da razão prática para determinar os meios adequados para alcançar um fim moralmente bom. Também requer sabedoria, análise cuidadosa das circunstâncias e uma visão da consideração das consequências de nossas ações. Leva em conta os princípios morais e éticos, buscando o equilíbrio entre o interesse pessoal e o bem comum.

O filósofo argumenta que a prudência não é apenas uma virtude individual, mas também tem um papel importante na governança e na vida em sociedade. Ele destaca a importância da prudência na tomada de decisões políticas, na administração da justiça e na busca pela paz. A prudência permite aos governantes e líderes agirem de forma justa e sábia, considerando o bem comum e promovendo o bem-estar da sociedade como um todo.

A prudência também não é considerada uma virtude estática, mas algo que pode ser desenvolvido e aperfeiçoado por meio da experiência e da busca constante da virtude. Neste sentido, requer prática e exercício contínuo, assim como o desenvolvimento de um caráter virtuoso.

Na filosofia de São Tomás de Aquino, a prudência nos guia na tomada de decisões corretas, considerando cuidadosamente as circunstâncias e os princípios morais. O legado de Aquino continua a inspirar e influenciar comportamentos, a cultura, estudos e filósofos até os dias atuais, destacando a importância da prudência em nossa busca pela vida virtuosa.

O Senhor dos Anéis e a prudência

Dentre os personagens de “O Senhor dos Anéis”, um exemplo marcante de prudência é Bilbo Bolseiro, um hobbit, uma pessoa comum, sem superpoderes, que se torna protagonista da história de J.R.R. Tolkien, embarcando em uma jornada épica. No início de sua aventura, Bilbo demonstra hesitação e cautela ao enfrentar os desafios que se apresentam. Neste “chamado” ao desafio e à medida que a história se desenrola, ele aprende a confiar em sua intuição e a tomar decisões prudentes.

Em sua jornada, Bilbo entende que o anel é uma grande tentação e que seu poder pode corromper até mesmo os mais nobres corações. Ao perceber a influência do anel em sua vida, Bilbo decide deixá-lo para trás, passando-o para seu jovem sobrinho Frodo. Essa decisão é um exemplo claro de prudência, pois Bilbo reconhece que ele próprio não é capaz de resistir às tentações do anel e age de acordo com esse entendimento.

Além disso, a prudência de Bilbo é testada quando ele se depara com Gollum, a criatura sinistra que também deseja o anel. Bilbo usa sua astúcia e perspicácia para resolver os enigmas de Gollum e escapar de seu terrível destino. Essa habilidade de avaliar a situação e tomar decisões sensatas é um aspecto crucial da prudência.

Embora São Tomás de Aquino seja um filósofo medieval e Bilbo Bolseiro um personagem fictício, ambos abordam a importância da prudência como uma virtude essencial na tomada de decisões e na busca pela sabedoria. Nos lembram da necessidade de considerar cuidadosamente as circunstâncias, avaliar as consequências e agir de acordo com o discernimento prudente.

Gollum e a imprudência

Na saga de O Senhor dos Anéis, Gollum, de forma imprudente, demonstra toda a sua obsessão pelo anel buscando-o incessantemente e se tornando cada vez mais dependente do objeto.

Em sua jornada é visível a transformação devido à falta de prudência e sua ganância, o levando a isolar-se da sociedade, abandonando sua vida comum e a se tornar um ser perturbado e perigoso. O personagem com aparência animalesca não foi capaz de avaliar as consequências de suas ações nem considerar o bem-estar dos outros. Sua busca cega pelo anel o levou a cometer atos de traição e violência, causando sofrimento tanto para si mesmo quanto para os outros personagens. Todo este martírio, inclusive, é representado pela mudança da aparência física do personagem, que definha à medida que o tempo passa.

Assim, o contraste entre Bilbo e Gollum no filme ilustra como a falta de prudência pode levar a consequências negativas, enquanto a prudência permite uma tomada de decisão mais sensata e preserva a integridade pessoal. A história de Gollum serve como um alerta aos perigos de agir sem prudência, pois resultaram em sua própria queda e sofrimento, assim como na perturbação da paz e harmonia da Terra Média.

Prudência é saber distinguir as coisas desejáveis das que convém evitar.

Cícero

Justiça, ética e moral

A prudência está intrinsecamente ligada à justiça, ética e moralidade. Ela orienta as ações dos indivíduos considerando as consequências a médio e longo prazo. A prudência nos permite discernir entre o que é certo e o que é errado, levando em conta os valores morais.

Na saga de “O Senhor dos Anéis”, vimos que a prudência é uma qualidade essencial para a preservação da justiça e da ética. Os personagens que agem com prudência são capazes de tomar decisões que não apenas beneficiam a si mesmos, mas também o bem-estar de toda a sociedade.

A lição que fica é que protagonistas, sejam eles cidadãos comuns, líderes ou políticos, devem ser guiados pela prudência ao tomar decisões que afetam a vida de toda uma nação. A falta de prudência na administração pública pode levar a escolhas irresponsáveis, políticas desastrosas e corrupção generalizada, resultando no declínio de uma nação e na perda da confiança do povo.

Em nossa vida somos constantemente confrontados com situações que exigem decisões, sejam elas pequenas escolhas pessoais ou grandes determinações sociais. A forma como tomamos essas decisões pode ter um impacto significativo em nossas vidas e na sociedade como um todo. Neste contexto, a virtude da prudência emerge como uma qualidade fundamental para o sujeito protagonista, funcionando como um guia para os nossos caminhos, com sabedoria e discernimento.


Jorge Quintão – IoP

A jornada do herói e o protagonismo – Como aplicar as lições à sua vida

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Imagem digitalmente gerada no Adobe Photoshop

A Jornada do Herói, conforme definida por Joseph Campbell em seu livro “O Herói de Mil Faces”, é mais do que apenas um modelo para contar histórias em filmes, livros ou jogos, é um espelho que reflete nossas próprias lutas e triunfos, esperanças, medos e um guia para a jornada do protagonista na vida real.

Nossa história é pontuada por momentos de autodescoberta e crescimento pessoal, muito semelhante à do herói das narrativas fantásticas. A jornada fornece uma estrutura para entender as mudanças e funciona como uma bússola que nos dá uma direção. Ao compreender as etapas da jornada, podemos navegar melhor em nossos próprios caminhos, identificando nossos mentores, nossos desafios, enfrentando nossos medos, para que possamos sair transformados.

Ao passar por cada estágio, é possível identificar onde você está em sua própria jornada, podendo inclusive compreender o que pode vir pela frente ou quais triunfos o aguardam e como você pode percorrer a jornada do herói com foco, coragem e sabedoria.

O mundo comum de pessoas comuns

Para Campbell, na narrativa, o mundo comum nos dá uma visão do personagem do herói antes da jornada, fornecendo uma base para o desenvolvimento posterior do personagem. Em nossas vidas, reconhecer nosso “mundo comum” nos permite identificar áreas para crescimento ou mudança pessoal.

Saber onde você está é um marco, um ponto de partida para o início de uma jornada. Talvez mais importante do que saber para onde ir, saber sua posição agora é uma referência importantíssima. De nada adianta se você tem um mapa e uma bússola se você não sabe onde está. O ponto de início é essencial para traçar a sua rota, o seu caminho, sair da inércia. Para compreender isso não é necessário ser um superherói.

E por mais que o termo “herói” seja usado para descrever um personagem, geralmente com superpoderes, muitas vezes ele não passa de uma pessoa comum, como eu e você, de carne e osso. É aí que a jornada fica interessante, pois nos leva a refletir que todos nós podemos agir para descobrir o herói oculto dentro de nós e enfrentar os nossos desafios com coragem e determinação, por mais difíceis que possam parecer.

Chamado à Aventura

Segundo Campbell, neste estágio inicial o herói é convocado a deixar sua zona de conforto e embarcar em uma jornada. É um convite para sair da rotina e enfrentar desafios que o levarão ao crescimento pessoal.

Na vida real o chamado pode ser uma situação adversa, a perda do emprego, uma mudança de cidade, a notícia de uma doença que exija uma alteração de hábitos ou a morte de uma pessoa amada, por exemplo. São situações que fazem com que o indivíduo tenha que mudar radicalmente a sua rotina, sua forma de viver e se relacionar.

Recusa da Chamada

O herói pode inicialmente resistir ao chamado, com medo do desconhecido ou relutante em abandonar o que é familiar. No entanto, ele eventualmente percebe que precisa aceitar o desafio para encontrar seu verdadeiro potencial, para mudar sua condição atual, mas muitas vezes o receio é maior do que a ação e então a decisão é a de se manter em sua zona de conforto.

Campbell afirma que “com frequência, na vida real, e com não menos frequência, nos mitos e contos populares, encontramos o triste caso do chamado que não obtém resposta; pois sempre é possível desviar atenção para outros interesses. A recusa à convocação converte a aventura em sua contraparte negativa”.

Neste caso pode ser que na jornada surja um personagem importante, que ajude o protagonista a ganhar um “empurrão”: o mentor.

Encontro com o Mentor

Durante a jornada, o herói encontra um mentor, uma figura sábia e experiente que o guia e oferece conselhos valiosos. O mentor geralmente é alguém que provoca, encoraja e ajuda o herói a desenvolver habilidades e confiança necessárias para enfrentar os obstáculos que estão por vir.

Na vida real pode ser um amigo, um familiar, um professor, algum colega de trabalho que se solidarize com a angústia do protagonista e se aproxima afim de auxiliá-lo no enfrentamento da jornada.

Provações

O herói enfrenta uma série de provações e desafios que testam sua coragem, força e determinação. Essas dificuldades são oportunidades para o herói aprender, crescer e superar seus próprios limites.

Aproximação da Caverna Profunda

O herói se prepara para enfrentar sua maior provação, sua “caverna profunda”, que representa seus medos e obstáculos internos. É um momento crucial em que ele precisa confrontar a si mesmo para superar suas limitações.

A Crise Suprema

Neste estágio, o herói enfrenta sua maior provação e está em um momento de vida ou morte. Ele precisa reunir toda a sua coragem, determinação e sabedoria para superar o desafio final. Na maioria das vezes ele estará sozinho e aqui é possível que surja o pensamento de desistência e retorno ao estado inicial de comodismo. Mesmo com medo, muitos protagonistas resolvem seguir, quebrando barreiras impostas por sua percepção pessoal. É onde geralmente acontece a “virada de chave” da história.

O Retorno Transformado

Após a superação da crise, o herói retorna ao seu mundo, diferente, transformado. Ele adquiriu sabedoria, habilidades e uma nova perspectiva que o capacita a contribuir de maneira significativa para sua comunidade e para o mundo.

Se observarmos as etapas da jornada do herói, criadas por Campbell, podemos associá-las a algum momento da nossa vida em que tivemos que tomar decisões difíceis ou que estivemos diante de uma escolha importante, ou mesmo nos encontramos com pessoas que nos ajudaram a superar uma determinada situação difícil. A ficção encontra a realidade quando a atitude de protagonizar uma mudança nos é imposta, seja por escolha ou por falta dela.

Protagonismo e a jornada do Herói

A jornada do herói, ou monomito, conforme descrito por Joseph Campbell, é mais do que um modelo para narrativas – é um projeto para a vida. Essa estrutura arquetípica pode ser associada ao conceito de protagonismo para o bem, pois ela aborda o processo de crescimento e desenvolvimento pessoal ao longo de uma jornada.

No início da história, o herói é convocado para uma aventura ou desafio. Isso pode ser comparado ao chamado para assumir um papel de protagonismo em nossa própria vida, um novo emprego, um posto de responsabilidade em um projeto, empreender, morar em outro país ou escolher um outro rumo para a vida onde somos chamados a fazer a diferença e buscar o bem. É importante reconhecer esse chamado, analisar o cenário e, em caso de aceite, estar disposto a enfrentar os desafios.

Ao assumir o protagonismo, podemos encontrar obstáculos e adversidades que nos testam. Desenvolvemos habilidades, superamos medos e podemos aprender com suas experiências para nos tornar agentes de mudança positiva.

A jornada do herói também envolve o encontro com mentores e aliados, que oferecem orientação e apoio ao protagonista. Pode ser um colega no trabalho, um chefe ou mesmo um familiar, uma pessoa de confiança que nos ajude a enxergar aquilo que não estamos conseguindo ver. No contexto do protagonismo para o bem, isso pode ser visto como a importância de buscar conhecimento, aprender com aqueles que são referências em ética, justiça e generosidade. Esses mentores podem nos ajudar a desenvolver habilidades e valores necessários para enfrentar os desafios que encontramos ao longo da jornada.

Conforme avançamos na jornada, enfrentamos uma crise suprema, um ponto crucial onde somos testados e confrontados com nossos próprios limites. É nesse momento que o protagonista precisa mobilizar todas as suas qualidades, coragem e sabedoria para superar a adversidade e alcançar a transformação pessoal.

Assim, a jornada do herói pode ser vista como um convite para o desenvolvimento gradual do protagonismo para o bem. À medida que enfrentamos desafios, buscamos orientação, aprendemos com nossas experiências e superamos obstáculos, nos tornamos agentes ativos em busca do bem comum. A jornada do herói nos inspira a assumir a responsabilidade por nossas vidas e a buscar constantemente nosso crescimento pessoal.

É importante ressaltar que a jornada do protagonismo para o bem não está restrita a grandes feitos ou eventos extraordinários. Cada indivíduo, em seu dia a dia, tem a oportunidade de ser protagonista e fazer a diferença por meio de pequenas ações, devendo desenvolver virtudes como coragem, generosidade, honestidade, resiliência, empatia, justiça, sabedoria, lealdade, dentre outras.

A jornada do herói nos mostra que a transformação pessoal e o protagonismo para o bem são possíveis para qualquer um que esteja disposto a se comprometer e tomar a iniciativa. Ao compreendermos essa estrutura arquetípica e aplicarmos seus princípios em nossas vidas, podemos nos tornar protagonistas de nossa própria história. Com o tempo é possível que o protagonista se torne o mestre, pois adquiriu sabedoria suficiente para ajudar outras pessoas que estejam no início de suas jornadas.

E então? Tudo pronto para se tornar protagonista?


Jorge Quintão – IoP

A importância do autoconhecimento e da reflexão para o desenvolvimento individual

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Hoje é fácil perdermos contato com nós mesmos e com o que realmente importa. A busca pelo sucesso, a pressão social e as demandas do dia a dia muitas vezes nos afastam da nossa percepção interior. Para Aristóteles, filósofo grego que viveu no século IV a.C., o autoconhecimento e a reflexão são fundamentais para o desenvolvimento individual e a busca por uma vida plena e significativa, sendo a chave para entendermos quem somos, nossos valores, desejos e potenciais. É um processo profundo de investigação interna que nos permite reconhecer nossas virtudes, limitações e áreas de crescimento. O conhecimento de nós mesmos nos permite tomar decisões mais alinhadas com nossos valores e objetivos, evitando assim desperdiçar tempo e energia em caminhos que não são verdadeiramente significativos.

Estudos têm demonstrado que indivíduos que possuem um alto grau de autoconhecimento têm maior satisfação pessoal e profissional. Geralmente estão alinhados com seus valores e habilidades, tendo maior desempenho no trabalho e são mais resilientes diante dos desafios, possuindo um alto grau de protagonismo. Além disso, pessoas que se conhecem bem são mais capazes de estabelecer relacionamentos saudáveis e duradouros, pois são autênticas e verdadeiras em suas interações, além de terem consciência do seu papel dentro de um grupo social.

A reflexão como instrumento de crescimento

A reflexão é um ato consciente de análise e avaliação de nossas experiências, pensamentos e emoções. Ela nos permite aprender com nossos erros, celebrar nossas conquistas e traçar caminhos para o futuro. Através da reflexão, podemos identificar padrões comportamentais, compreender nossas motivações e desenvolver um maior grau de autocontrole.

Estamos constantemente expostos a estímulos externos e distrações e, reservar um tempo para promover uma reflexão, se torna um ato de extrema importância, aumentando a capacidade de resolução de problemas, estimula a criatividade e promove a tomada de decisões mais assertivas. Além disso, a reflexão nos ajuda a manter o equilíbrio emocional e a lidar de forma mais eficaz com o estresse e a ansiedade.

O convite dos Deuses

Um dos aforismos mais famosos da história, “conhece-te a ti mesmo”, encontrava-se no pórtico de entrada do templo do deus Apolo, na cidade de Delfos na Grécia, no século IV a. C.

Essa frase foi atribuída a várias figuras gregas e não possui ao certo um autor. É possível que tenha como origem um dito popular grego.

Ao longo do tempo, essa sentença foi apropriada por muitos autores, o que levou a algumas variações. Um exemplo dessa apropriação é sua tradução para o latim: nosce te ipsum e, também, temet nosce.

O filósofo Sócrates (c. 469-399 a.C.) é quem tornou mais evidente essa ligação entre o deus e a filosofia nascente.

A filosofia nasce a partir da reflexão, ou seja, do olhar para dentro. Faz-se necessário refletir sobre o que significa, de fato, conhecer alguma coisa. A partir daí, construir bases para todos os tipos de conhecimento.

A extensão da frase atribuída a Sócrates é conhecida como:

Conhece-te a ti mesmo e conhecerá o universo e os deuses.

Sócrates

Sendo assim, o motor da filosofia é o “conhece-te a ti mesmo” do próprio conhecimento, ou seja, é o pensamento voltado para si. Busca no entendimento, as bases que fundamentam o saber.

O conhecimento de si mesmo é essencial para a busca da excelência humana e a construção de uma vida virtuosa. Somente ao conhecermos nossas próprias características, virtudes e limitações, somos capazes de agir de forma consciente e alinhada com nossos valores mais elevados.

Ao compreendermos nossa natureza humana e as forças que nos impulsionam, podemos direcionar nossas ações de forma mais ética e inteligente.

Essa reflexão interior nos permite reconhecer nossas virtudes e vícios, nossas paixões e desejos, e tomar decisões mais acertadas em relação a nossas escolhas e conduta. Conhecer a si mesmo é um caminho para o autodomínio, o equilíbrio e a sabedoria.

No mundo atual, marcado pela velocidade, pela superficialidade, alienação e pela constante busca por distrações externas, o convite dos Deuses para conhecer-se a si mesmo é mais relevante do que nunca. O autoconhecimento nos permite escapar das influências negativas e das armadilhas da sociedade moderna, nos tornando mais autênticos e conscientes de nossas verdadeiras necessidades e propósitos.

Além disso, o autoconhecimento nos capacita a lidar de forma mais assertiva com os desafios e contradições da vida, permitindo-nos enfrentar os obstáculos com maior resiliência e adaptabilidade. Ao conhecermos nossas fortalezas e fraquezas, podemos trabalhar para desenvolver nossas habilidades e superar nossos pontos fracos.

Nesse sentido, o autoconhecimento é um processo que se estende ao longo de toda a vida, desde a infância até a velhice. Na infância, os primeiros passos são dados ao reconhecermos nossas preferências, emoções e capacidades. Na adolescência, buscamos entender nossa identidade e nos confrontamos com as complexidades da transição para a vida adulta. Na fase adulta, o autoconhecimento envolve a busca por nossos propósitos e a compreensão de nossos valores mais profundos. E na velhice, refletimos sobre a jornada percorrida e sobre o legado que deixaremos.

Os antigos filósofos nos convidam a explorar as profundezas de nossa própria existência e a nos conhecermos em todas as fases da vida. O autoconhecimento não apenas enriquece nossa experiência individual, mas também nos torna cidadãos mais conscientes e atuantes em uma sociedade justa e livre. Ao nos conhecer, somos capazes de contribuir de maneira mais significativa para o bem comum, promovendo valores como a justiça, a ética e a solidariedade.

IoP