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Livre na decisão – não livre nas consequências da decisão

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Quanto mais um país desafia as leis econômicas, mais seu padrão de vida cai. Não há dúvida de que a Alemanha está nesse caminho há algum tempo. Para encontrar o caminho de volta à prosperidade, é necessária uma mudança de direção. Em primeiro lugar, requer a percepção de que o caminho para a prosperidade não é agir contra as leis da economia, mas reconhecê-las e torná-las utilizáveis.

Leis da ação humana

O conceito de lei, como também o usamos para leis naturais e leis de mercado, vem originalmente do mundo da fé. Até o século XVIII, prevaleceu a ideia de que o homem estava essencialmente sujeito à religião e à autoridade e, em última análise, a Deus ou aos deuses.

Mas, logo que se reconheceu que a natureza tem sua própria lei, surgiram considerações sobre se o mesmo não se aplicaria também à economia e à sociedade. Especialmente a partir do Iluminismo escocês do século XVIII e de Immanuel Kant (1724-1804), tentou-se então mostrar quais leis se aplicam à ação humana nos negócios e na sociedade e para o Estado.

Foi sobretudo Adam Smith (1723-1790) quem, juntamente com Adam Ferguson (1723-1816) e David Hume (1711-1776), formulou tais leis econômicas tanto para a sociedade em “Teoria dos Sentimentos Morais” (1759) quanto para a economia em sua principal obra “A Riqueza das Nações” (1776).

A mensagem básica do liberalismo econômico promovido por Adam Smith é que as nações que prosperam são aquelas que respeitam as leis do mercado e mantêm baixa a atividade estatal e a carga tributária.

Já em seu livro sobre sentimentos éticos, Smith afirma que o caminho para a prosperidade de uma nação não é pelo Estado, mas pelos caminhos da liberdade individual.

Em “Lectures on Jurisprudence” de 1755, Adam Smith declarou que “pouco mais é necessário para conduzir uma nação ao mais alto grau de riqueza da mais baixa barbárie do que a paz, impostos fáceis e um sistema legal tolerável: todo o resto é efetuado pelo curso natural das coisas”.

Em “Riqueza das Nações”, Adam Smith aponta que não depende da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que recebamos nossa refeição, mas porque eles perseguem seus próprios interesses.

“Não apelamos para a humanidade deles, mas para o amor-próprio, e não falamos com eles sobre nossas necessidades, mas sobre seus benefícios” (livro 1, cap. 2).

A intervenção estatal não é apenas desnecessária, mas também prejudicial, explica Adam Smith:

“O estadista que tenta instruir os particulares sobre a maneira pela qual eles deveriam investir seu capital não apenas se sobrecarregaria com uma tarefa altamente desnecessária, mas também se apoderaria de uma autoridade que não pode ser confiada a uma única pessoa nem a um conselho ou senado”. O controle do investimento do governo “nunca é mais perigoso do que nas mãos de um homem dotado de tolice e presunção suficientes para se sentir capaz de exercer essa autoridade” (Riqueza das Nações, Livro IV, cap. 2).

Ato político de poder

No dia a dia da política, é prática comum desdenhar e ignorar as leis inerentes à economia. No campo de batalha político, a visão predominante é que aqueles que têm poder e persuasão suficientes podem moldar a economia e a sociedade quase à vontade. Na política e no Estado, prevalece o pensamento baseado em comandos: a crença de que as ordens podem ser usadas para minar as leis econômicas.

Essa convicção anda de mãos dadas com o pensamento jurídico positivista, segundo o qual o que o legislador decide juridicamente é considerado lei. Essa crença na onipotência da legislação e do Estado domina o intervencionismo. O crente no Estado não quer ver que o Estado é impotente em relação às leis econômicas, porque o preço dessa ignorância não é pago pelos membros do governo, mas por outros.

Ao reivindicar uma legislação arbitrária, o positivista jurídico desafia a ideia original de direito. Ele se faz divino, por assim dizer, porque a ideia básica do direito é que o direito não é criado, mas descoberto. De acordo com a doutrina tradicional, o que se supõe certo é baseado na essência das coisas.

O homem não pode e não deve moldar o mundo como achar melhor. Quem agir diferente será punido pelos deuses. Em termos modernos, isso significa que aqueles que se opõem às leis da economia devem pagar o preço apropriado.

Livre na decisão – não livre nas consequências da decisão

  • Quem escolhe o Socialismo colhe pobreza e opressão;
  • Quem dá rédea solta ao intervencionismo leva a economia ao caos;
  • Quando o governo impõe controle de preços, a eficácia da lei de oferta e demanda muda do preço para a quantidade;
  • No caso de controles de quantidade, o efeito muda para o preço;
  • Se ocorrerem acordos salariais excessivamente altos, segue-se o desemprego;
  • Se o banco central inflacionar a oferta monetária, mais cedo ou mais tarde ocorrerá a inflação de preços;
  • Alguém tem que pagar a conta dos gastos do governo;
  • Se o legislador abolir os direitos de propriedade privada a fim de eliminar a percepção de escassez de oferta, a escassez aumentará.

Conclusão

O homem é livre em sua escolha, mas não nas consequências de sua decisão. O Estado pode intervir na economia e na sociedade, mas as leis econômicas permanecem válidas em sua eficácia. Assim como não se pode derrubar as leis da natureza, o intervencionismo estatal não pode anular as leis do mercado. As leis continuam a existir, ainda que de forma modificada.


Antony Mueller é doutor pela Universidade de Erlangen-Nuremberg, Alemanha e, desde 2008, professor de economia na Universidade Federal de Sergipe.

Fonte: Mises Brasil

Liberdade não é política pública

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Foto: Envato

Uma das maiores derrotas do movimento intelectual pró-livre mercado foi permitir que suas ideias fossem categorizadas como sendo “opções de políticas públicas”.  Tal concessão sugere que se deve deixar a cargo do estado — de seus gerentes e intelectuais pagos — decidir como, quando e onde a liberdade deve ser permitida.  A implicação maior desse erro é fazer parecer com que a função da liberdade, da propriedade privada e dos incentivos de mercado é apenas permitir que haja um melhor gerenciamento da sociedade por parte do estado – ou seja, permitir que o regime funcione mais eficientemente.

Esse tipo de pensamento vem nos permeando há um bom tempo.  Murray Rothbard, ainda nos anos 1950, observou que os economistas, mesmo aqueles favoráveis ao mercado, haviam se tornado especialistas em “como dar eficiência ao estado”.  A diferença entre essa postura infeliz e aquela que utiliza uma retórica livre-mercadista para encobrir atrocidades estatais é mínima, sendo que esta última é certamente o objetivo final de todo o esquema.

Essa postura, por exemplo, foi o cerne da Revolução Reagan, que, em nome da liberdade, propôs cortes de impostos que na realidade visavam apenas aumentar as receitas do governo, como sugerido pela Curva de Laffer.  Mas quem disse que o propósito da liberdade é garantir uma superabundância de fundos para o estado?  E se esse aumento da receita não se concretizasse?  Isso significaria que os cortes de impostos fracassaram?  Até hoje, pessoas que se dizem defensoras resolutas do livre mercado seguem esse raciocínio: “Corte de impostos é bom porque, além de tudo, aumenta as receitas do estado!” 

E, como já ficou mais do que claro, essa estratégia foi um desastre para a liberdade.  As receitas dos governos em proporção ao PIB nunca foram tão grandes, assim como a sofisticação das maneiras de se recolhê-las.  Ademais, hoje, quando o governo quer aumentar suas receitas, ele nem mais precisa se esconder sob esse manto oratório: ele simplesmente sai coletando mais receitas e encarcerando aquele que não se curvar.  Tal foi o fracasso da “estratégia” acima.

Há vários outros exemplos atuais dessa horrenda concessão ao estado.  Em alguns círculos “liberais”, as pessoas utilizam a palavra “privatização” não com o sentido de se retirar o governo de um aspecto particular da vida social e econômica, mas meramente com a intenção de terceirizar prioridades estatais para empresas privadas que possuam fortes conexões políticas.

Vouchers escolares e “privatização” da Previdência Social são os mais notórios exemplos em nível federal.  Já em nível estadual e municipal, qualquer contrato governamental concedido, geralmente via propinas, a algum interesse privado é considerado “privatização”.  Vemos isso quando se terceiriza serviços como coleta de lixo, saneamento básico, eletricidade e rodovias.  Uma empresa privada ganha um monopólio concedido pelo estado e, daí pra frente, não mais precisa se preocupar com a concorrência.  Um privilégio e tanto.

O que está em jogo é a própria concepção do papel da liberdade na vida econômica, política e social.  Afinal, para nós, seria a liberdade apenas um recurso útil dentro da atual estrutura ou ela é uma alternativa genuína ao atual sistema político?  Não se trata de uma simples contenda entre facções libertárias.  O futuro do próprio livre mercado está em jogo.

São poucas as oportunidades de reforma que aparecem.  E quando elas aparecerem, os libertários precisam estar à frente não apenas exigindo o serviço completo, como também alertando contra os perigos de certas concessões.  O pior erro que nosso lado pode cometer é propagandear nossas idéias como sendo a melhor maneira de se obter os fins desejados pelo estado.  Entretanto, foi exatamente essa abordagem — dizer que a economia de mercado é a melhor opção política dentre uma variedade de planos estatistas — que se tornou a dominante do nosso lado da cerca.

Pra começar, essa abordagem tipicamente leva a resultados infaustos no mundo real, como o fiasco da “desregulamentação”[*] do setor energético na Califórnia.  Reformas parciais como essa podem gerar um sistema ainda pior do que o sistema que vigorava antes da reforma, além de acabar com a autoridade moral da livre iniciativa.

Outra observação contra reformas parciais foi feita por Ludwig von Mises:

Há uma tendência inerente a todos os governos em não reconhecer qualquer limitação às suas operações e em ampliar a esfera de seu domínio o máximo possível.  Controlar tudo, não deixar espaço para que nada aconteça fora da interferência das autoridades – esse é o objetivo ao qual todos os regentes secretamente aspiram.

Mises

A única maneira de fugir desse problema é batalhando para eliminar todo o envolvimento do estado na vida da sociedade e da economia.  Sem isso, simplesmente não há como evitar a miséria, a submissão e a ineficiência.

O que ocorreu com a Polônia é um ótimo exemplo.  Após o colapso do comunismo, houve uma explosão de entusiasmo pela idéia de se ter uma economia de mercado.  Porém, a transição foi tão mal feita — leia-se “muito planejada” — que, já em 2002, o estaleiro da cidade de Estetino (Szczecin) foi renacionalizado após os operários terem ameaçado rebeliões violentas pelo fato de os bancos terem parado de financiar um empreendimento deficitário, o que fez com que os cheques parassem de entrar.

Essa foi a primeira de várias reestatizações que viriam após o colapso do socialismo, empreendida em resposta ao que seria uma falência de rotina em uma economia de mercado.  Após isso, o governo caiu nas mãos tanto de partidos abertamente de esquerda como de partidos socialmente conservadores e economicamente intervencionistas.  Apenas em outubro de 2007, como consequência da estagnação econômica, um partido mais liberal ganhou as eleições para o parlamento.  Isso vai impedir o retorno do socialismo?  Em termos de política, é sempre um erro acreditar que o pior não pode acontecer.

Após 1989, a Polônia implantou uma série de reformas econômicas.  Fábricas foram privatizadas.  A maior parte das mais de 100.000 empresas municipais foi transferida para mãos privadas.  A moeda foi estabilizada.  Os preços foram liberados.  O governo encorajou todos os tipos de empreendimentos.  O resultado foi magnífico: investimentos estrangeiros abundantes e uma década de crescimento econômico respeitável.

Entretanto, assim como em outros países do Leste Europeu, a privatização estava longe de estar completa.  As telecomunicações foram parcialmente privatizadas.  O setor de saúde foi colocado em ordem, porém permaneceu em grande parte nas mãos do governo.  Os sindicatos conseguiram manter enormes privilégios legais e não havia um mercado ativo que pudesse controlar as corporações.  Os impostos continuaram muito altos (33 por cento).  Um quarto da população ainda está empregada no setor público, conquanto recentemente haja uma tendência de queda.

Lamentavelmente, a Polônia não quis enxergar muito longe.  A classe política quis utilizar os Estados Unidos e os países da Europa Ocidental como modelos, o que levou à instituição de uma vasta gama de impedimentos regulatórios sobre a livre iniciativa, incluindo leis antitruste, regulamentações sobre a saúde e sobre a segurança do trabalho, regulamentações ambientalistas e várias leis trabalhistas.  É verdade que essas regulamentações ainda eram mais brandas que as de seus países-modelo, porém a Polônia não poderia se dar ao luxo de permitir esse absurdo após todo o empobrecimento trazido pelo comunismo.

Muitas fábricas grandes e poderosas jamais foram tocadas pela privatização, por medo de que elas simplesmente falissem caso tivessem de competir em um livre mercado.  Caso houvesse essa hipótese, a única atitude certa seria permitir que elas quebrassem, pois é absurdo queimar dinheiro do contribuinte para subsidiar empresas economicamente inviáveis (exatamente o que o governo dos EUA está fazendo com as montadoras).  No setor marítimo, o governo polonês se comprometeu a não deixar que fábricas ineficientes quebrassem caso não mais conseguissem se manter.  Tudo por medo dos sindicatos.

Intervenções para salvar empresas insolventes são ruins em seus próprios termos.  Elas, ao contrário do que se imagina, não ajudam a economia.  Elas apenas postergam o dia em que a empresa necessariamente irá ou se tornar uma entidade estatal ou quebrar por completo.

Na Polônia, a raiz do problema estava na própria palavra “privatização”.  Um significado peculiar foi dado a essa palavra: “privatização” passou a significar que tudo e todos continuariam exatamente como antes, exceto que o controle agora estaria em mãos privadas, e não mais nas mãos do governo.  O socialismo é possível afinal, desde que seja gerido pela iniciativa privada!

A mesma confusão predomina nos países ocidentais.  Ouvimos alguns “liberais” dizerem que se “privatizarmos” as escolas públicas por meio de vouchers ou por quaisquer outros expedientes, elas se tornarão mais baratas de serem geridas e a qualidade do ensino irá aumentar.  Também nos dizem que se “privatizarmos” a Previdência Social, ela irá trazer maiores retornos aos aposentados.  Em ambos os casos, os “libertários” estatistas estão simplesmente dizendo: “O socialismo é possível, desde que gerido pela iniciativa privada!”

Realmente, se o setor educacional estivesse completamente sob mãos privadas — o que significa, obviamente, a abolição de um Ministério da Educação e de seus currículos obrigatórios –, nada igual ao atual sistema continuaria existindo.  A maioria dos atuais coordenadores não teria emprego no novo sistema escolar.  As próprias escolas se tornariam centros varejistas.  A educação seria radicalmente descentralizada e ofertada pela livre concorrência.  Escolas surgiriam e desapareceriam.  Os salários de alguns professores provavelmente despencariam.  Ninguém iria ter o direito a uma educação fornecida pelo estado.  O estado poderia até exigir alguns conteúdos curriculares ou até mesmo determinar resultados mínimos, mas não obteria resposta alguma.

Uma enorme variedade de alternativas passaria a existir, mas seria raro que, entre elas, existisse o atual sistema de megaescolas que mais se parecem contêineres que abrigam milhares de pessoas.  É claro que não podemos saber de antemão como seria esse setor e nem qual forma ele tomaria no futuro.  Mas é exatamente esse o ponto.  A proposta dos vouchers e todos os outros esquemas de terceirização sequer dariam ao livre mercado a chance de mostrar sua superioridade.  Eles apenas gerariam mais aumentos nos gastos públicos e mais garantias estatais a um sistema já amplamente socialista.

O mesmo se aplica para a Previdência Social.  Aqueles que dizem querer sua privatização estão simplesmente defendendo um sistema que em nada difere do atual.  Seu dinheiro ainda continuará sendo roubado pelo estado. As pensões ainda continuariam sendo garantidas pelo estado.  Aliás, você poderia até acabar pagando mais: uma parcela para os atuais aposentados e outra para financiar a sua própria conta “privada”.  A única diferença entre esses dois sistemas é que uma parte do dinheiro poderia passar a ser utilizada por empresas privadas, o que as tornaria dependentes de subsídios públicos.

Há uns cem anos, quem propusesse tal sistema seria imediatamente tachado de socialista.  Hoje, esse mesmo indivíduo é considerado libertário e “especialista em políticas públicas”.  Agora, se o que você quer é uma reforma genuína e de livre mercado, não chame isso de privatização.  Tal método é uma fraude magnânima.  Sob uma verdadeira reforma de livre mercado, ninguém seria pilhado e a ninguém seriam dadas quaisquer garantias estatais.  Você, e apenas você, seria o responsável por seu sustento, não legando a mais ninguém esse encargo.  O slogan deveria ser: parem o roubo!

Na Polônia, as enormes fábricas não deveriam ter sido “privatizadas”.  O estado deveria ter simplesmente saído do controle delas, vendendo os ativos a quem pagasse mais ou entregando-os para os respectivos funcionários e gerentes, e permitindo que os novos proprietários fizessem o que melhor lhes aprouvesse.  A única função do estado seria não criar obstruções à concorrência.  No Ocidente, as escolas públicas e a Previdência Social não deveriam ser privatizadas; elas deveriam apenas ser abandonadas, permitindo a liberdade total de gerenciamento e escolha.  Em outras palavras, instituições de mercado não deveriam ser utilizadas como ferramenta de “políticas públicas”; elas deveriam ser a realidade prática em uma sociedade livre.

Uma objeção frequentemente levantada a esse meu ponto é que medidas parciais ao menos nos levam para a direção correta.  É verdade que mesmo um sistema parcialmente livre ainda é melhor do que um totalmente socialista.  Contudo, vitórias parciais são completamente instáveis.  Elas facilmente são revertidas para um estatismo completo.  Se as escolas públicas e a Previdência fossem privatizadas seguindo-se os esquemas frequentemente propostos, o sistema poderia até se tornar menos livre do que atual, pois haveria a possibilidade de se incorrer em mais gastos públicos para cobrir os novos custos demandados pelos vouchers e pelas contas privadas.

Na última década — e mais do que nunca no atual momento — o capitalismo passou a ser visto como um mecanismo criado para permitir que setores insolventes e mal geridos possam continuar operando ineficientemente.  É por isso que reformas de livre mercado nunca foram tão necessárias.

O livre mercado não é apenas um mecanismo de gerar lucros e produtividade.  Ele não serve apenas para estimular a inovação e a concorrência.  Fazer a transição do estatismo para a economia de mercado significa fazer uma revolução completa na vida econômica e política, saindo de um sistema em que o estado e seus grupos de interesse estão no controle e indo para um sistema em que o poder do estado não tem função alguma.  A liberdade não é uma opção de política pública.  Ela é a abolição de todas as políticas públicas.  Já passou da hora de tomarmos o passo seguinte e exigir justamente isso.

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[*] O governo da Califórnia impôs controles de preços no setor energético e criou mercados “artificiais” propícios para manipulações e para o descasamento entre oferta e demanda. Ao fixar preços abaixo dos preços de mercado, o estado limitou a lucratividade das companhias.  E quando os custos da energia aumentaram, o congelamento de preços impediu que os produtores repassassem esse aumento aos consumidores.  Além de ter impedido novos investimentos, esse congelamento de preços também desestimulou outras empresas de entrarem no mercado, o que geraria uma muito necessária concorrência.[N. do T.]


Lew Rockwell é chairman e CEO do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, editor do website LewRockwell.com , e autor dos livros Speaking of Liberty.

Fonte: Artigo original de Mises Brasil

O protagonismo do pai

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Em um mundo em que os valores éticos e virtuosos parecem escorrer entre os dedos, a presença do pai no contexto familiar como orientador se torna um farol de esperança em meio à tempestade. Compreender o protagonismo paterno é mergulhar nas profundezas da ética das virtudes e na importância singular do pai como guia, referência moral e escudo protetor. Desenvolver nos filhos o exemplo de como crescer livres, apesar das influências corrosivas que cercam o nosso mundo, é uma tarefa crucial, sobretudo pela relativização e demonização da figura masculina tão presente na atualidade. O resultado desse colapso é catastrófico, à medida que pais se afastam de suas famílias e da responsabilidade da presença com seus filhos, em um ciclo que vai se perdendo na dificuldade de compreensão e de cerceamento de diálogo sobre o tema. Isso reforça que a presença e atuação da figura paterna no núcleo familiar se torna imprescindível. Inspirados por histórias da literatura e do cinema, podemos compreender como pais podem ser pilares de virtude e orientação, por mais que hajam dificuldades.

Em um contexto repleto de dilemas morais e desafios éticos, a figura do pai parece emergir como um farol de esperança, iluminando o caminho para uma vida virtuosa. Enquanto valores são testados e princípios são abalados, o papel do pai no contexto familiar, como orientador se torna crucial como uma bússola moral aos filhos. Sua presença, junto à mãe, oferece uma base sólida e segura, permitindo que os filhos naveguem pelo mar agitado da vida com integridade, sabedoria e, obviamente, com muito amor.

A ética das virtudes deve servir como guia e referência moral. Para um pai, isso deve estar bem claro, pois ele não apenas transmite conhecimento e sabedoria, mas também deve personificar os valores que ensina como um norte referencial, algo como “faça ou que eu falo, faça o que eu faço”.

Atticus Finch de “O Sol é para Todos”, exemplifica como a coragem moral, a força, a empatia e a integridade do pai molda o caráter dos filhos e proporciona um alicerce sólido para suas vidas.

O pai não só orienta, mas também protege. Em um mundo onde influências corrosivas tentam minar os valores e virtudes, a figura do pai surge como um escudo protetor. O personagem Maximus de “Gladiador”, enfrenta os desafios com determinação, assegurando que seus filhos sejam blindados contra as tentações que ameaçam corromper sua moral. O pai se torna o guardião, garantindo que os valores que ele incute em seus filhos permaneçam inabaláveis.

Desenvolver nos filhos a coragem e capacidade de crescerem livres, mesmo em um mundo contaminado por influências negativas, é um legado inestimável. Inspirados por histórias como a de Daniel Hillard de “Uma Babá Quase Perfeita”, estrelado por Robin Williams, um pai que, após o divórcio, se transveste de babá para continuar próximo aos seus filhos. Pais podem demonstrar que a autenticidade e a busca pela virtude não são comprometidas pelas pressões externas. Ao ensinar seus filhos a serem líderes éticos e a enfrentarem os desafios de cabeça erguida, os pais capacitam a próxima geração a resistir às tentações que corroem os valores.

O personagem do blockbuster “Rock, o Lutador”, estrelado por Silvester Stallone, destaca-se como um pai ausente, que aos poucos vai reconstruindo a relação com seu filho Robert “Rocky” Balboa, Jr. Sua dedicação e cuidado com o filho retratam como um pai que errou, inicialmente sem saber como lidar com o divórcio, sua ex-mulher e com seu filho, pode ser um protetor e um guia, mesmo diante de enormes adversidades. No filme, Rock tem a capacidade de quebrar a imagem do pai desinteressado e bruto, que não se importa com a sua família. Quando tudo parece perdido, o personagem aposta na reconstrução das relações que estão ao seu alcance e que lhe restaram. O esforço de Rock em treinar e trazer seu filho para a sua realidade acaba por servir como uma jornada de autoconhecimento e superação para pai e filho, fortalecendo relações e evidenciando que é possível aos pais ausentes buscarem a reconciliação para que possam se tornar um alicerce sólido, orientando e dando amor, independentemente das circunstâncias.

Em “King Richard: Criando Campeãs”, estrelado por Will Smith, uma biografia incrível de Richard Williams, o pai de Serena e de Venus Williams, campeãs mundiais de tênis, nos mostra como o protagonista tinha uma visão singular para o futuro de suas filhas. Mesmo com recursos limitados, investiu tempo e esforço em treiná-las desde cedo. Acreditando firmemente em seu potencial, ele desenvolveu um plano detalhado para nutrir suas habilidades e transformá-las em atletas de elite. Seu papel não se limitava apenas à orientação técnica, mas ele também se esforçava para transmitir valores essenciais, como disciplina, determinação e resiliência. Ele compreendia a importância de educar suas filhas, garantindo que recebessem uma base sólida para enfrentar os desafios que encontrariam fora do esporte. Sua visão era criar não apenas campeãs no tênis, mas também mulheres fortes e confiantes que poderiam enfrentar qualquer obstáculo na vida, a partir da visão de um pai comprometido a ponto de influenciar positivamente o destino de seus filhos. O filme é sobre um pai dedicado, que superou desafios financeiros, enfrentou ceticismo e nunca perdeu de vista sua visão de ver suas filhas alcançarem a grandeza.

À medida que o cenário ético se torna mais corrompido, o papel do pai como exemplo e protetor torna-se crucial no contexto familiar. Inspirados por exemplos da literatura e do cinema, compreendemos que os pais têm o poder de moldar futuros, não apenas orientando, mas também como inspiração, a partir de suas ações e erros, para capacitar seus filhos a crescerem com valores sólidos e um senso inabalável de ética. Ser pai é ter a força, dentro de suas possibilidades, de construir bons legados para a humanidade.

Jorge Quintão – IoP

A Suprema Corte e a usurpação do protagonismo do cidadão

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Atualmente, há um frenesi nos Estados Unidos sobre a vaga na Suprema Corte após a morte de Antonin Scalia [algo semelhante se passou no Brasil com a recente indicação de Cristiano Zanin]. Isso deveria ser suficiente para deixar claro até mesmo para o observador mais ingênuo que a Suprema Corte é uma instituição partidária e política, e não um grupo de sábios apolíticos desinteressados como o tribunal quer que pensemos. Como escrevi em “The Mythology of the Supreme Court”, a ideia do tribunal como um grupo de pensadores jurisprudenciais profundos é um conto para crianças em idade escolar:

“Essa visão da Corte é, obviamente, irremediavelmente fantasiosa, e a verdadeira natureza política da Corte está bem documentada. Sua política pode assumir muitas formas. Para um exemplo de seu papel no patrocínio político, não precisamos olhar além de Earl Warren, um ex-candidato a presidente e governador da Califórnia, que foi nomeado para o tribunal por Dwight Eisenhower. É amplamente aceito que a nomeação de Warren foi uma vingança pela não oposição de Warren à nomeação de Eisenhower na convenção republicana de 1952. A proposição de que Warren de alguma forma se transformou de político em pensador profundo após sua nomeação não é convincente na melhor das hipóteses. Ou podemos apontar para a famosa ‘mudança no tempo que salvou nove’, na qual o juiz Owen Roberts reverteu completamente sua posição legal sobre o New Deal em resposta a ameaças políticas do governo Franklin Roosevelt. De fato, os juízes da Suprema Corte são políticos, que se comportam da maneira que a teoria da ‘Escolha Pública’ nos diz que deveriam. Eles procuram preservar e expandir seu próprio poder”.

Na prática, a Suprema Corte é apenas mais uma legislatura federal, embora esta decida questões de política pública com base nas opiniões de apenas cinco pessoas, a maioria das quais passa seu tempo totalmente distantes da realidade econômica das pessoas comuns enquanto brincam com os oligarcas e outras elites.

O poder legislativo do tribunal é igualado pelo seu poder político, uma vez que cada vaga no tribunal é um presente para os partidos políticos dominantes. Cada vez que um juiz morre ou se aposenta, o evento oferece aos partidos políticos mais uma oportunidade de emitir cartas histéricas de arrecadação de fundos para os apoiadores mais endinheirados e exigir apoio não qualificado das bases, ao mesmo tempo em que afirma que o processo de nomeação para a Corte torna a próxima eleição “a mais importante de sempre”.

Parece incomodar poucos, no entanto, que vivamos em um sistema político onde as questões políticas e econômicas mais importantes do dia – ou assim nos dizem – devem ser decididas por um pequeno grupo de pessoas, sejam elas o presidente do Federal Reserve, cinco juízes da Suprema Corte ou um presidente com sua “caneta e telefone”.  

Assim como é extremamente disfuncional para uma grande economia se apegar a cada palavra do presidente do Banco Central, também deveria ser considerado anormal e insalubre para um país de 320 milhões de habitantes esperar ansiosamente pelos últimos prognósticos de nove amigos de presidentes em túnicas pretas de seus escritórios palacianos em Washington, DC.

O tribunal é apenas um grupo de políticos em vestes extravagantes

Somos informados por especialistas e políticos de todo o espectro o quão indispensável, inspiradora e absolutamente essencial é a Suprema Corte. Na verdade, deveríamos procurar maneiras de minar, incapacitar e, de maneira geral, forçar a Corte à irrelevância.

Com os esperados elogios a Scalia entre seus partidários, estamos sendo repreendidos com a ideia de que Scalia era um “originalista” que se ateve obstinadamente ao texto claro da Constituição como imaginado por seus autores. Na verdade, Scalia não era um originalista, pois, se fosse, teria rejeitado toda a noção de revisão judicial, que é em si uma total inovação e fabricação inventada pelo juiz John Marshall. Em nenhum lugar o Artigo III da Constituição (a parte que trata do tribunal e tem meia página) dá ao tribunal o poder de decidir sobre o que pode ser legal ou não em cada estado, cidade, vila ou empresa dos Estados Unidos. Além disso, como Jeff Deist observa, os poderes da Corte que aceitamos tão alegremente como fato consumado são em sua maioria inventados:

  • O conceito de revisão judicial é uma invenção da Corte, sem base no Artigo III. 
  • Jurisprudência constitucional não é direito constitucional.
  • O Supremo Tribunal é supremo apenas sobre os tribunais federais inferiores: não é supremo sobre outros ramos do governo.
  • O Congresso claramente tem autoridade constitucional para definir e restringir a jurisdição dos tribunais federais.

Uma ferramenta de centralização do poder

Mas não espere que muitos em Washington admitam isso tão cedo. A Suprema Corte desempenha uma função muito importante na centralização do poder federal em DC e nas mãos de um pequeno número de altos funcionários federais. E como é conveniente para os membros das classes dominantes influenciarem e acessarem esses guardiões da respeitabilidade intelectual do governo federal: os membros da Corte, presidentes e senadores são geralmente todos os membros da mesma classe socioeconômica, enviam seus filhos para as mesmas escolas de elite e trabalham e vivem juntos nos mesmos pequenos círculos sociais. Ao mesmo tempo, esse círculo social e profissional fechado também ajuda a diminuir a influência daqueles que estão fora da bolha de Washington, DC.

O Tribunal em sua forma atual pode ser reformado da noite para o dia

Se quisesse, o Congresso poderia reformar a Corte esta tarde. Nada mais do que uma simples legislação seria necessária para mudar radicalmente ou extinguir completamente os tribunais federais de primeira instância. O Congresso poderia decidir quais tópicos estão sob a jurisdição dos tribunais inferiores e, assim, limitar também a jurisdição da Suprema Corte. O Congresso também pode decidir que a Suprema Corte seja composta por um juiz ou por 100 juízes.

De fato, uma vez que a Suprema Corte nada mais é do que uma legislatura, por que não torná-la uma? Por que não fazer da Suprema Corte um corpo de 50 “juízes”, com o entendimento de que o Senado não ratificará qualquer nomeação que não cumpra a regra de que cada estado tenha um juiz na Corte? A política e a ideologia impedem isso, mas nenhuma disposição constitucional o faz. 

“Mas o tribunal simplesmente declararia todas essas reformas inconstitucionais”, alguns podem dizer. Isso é verdade, embora, para isso, precisemos apenas parafrasear as palavras (possivelmente apócrifas) de Andrew Jackson: “o Tribunal tomou sua decisão. Agora, deixe-os aplicá-la”.

O Tribunal não precisa se preocupar, porém, pois quase sempre pode contar com o apoio do Presidente e do Congresso justamente porque o Tribunal desempenha um papel essencial no aumento do poder dos outros poderes do governo federal.

Usurpação do protagonismo: O povo sem representantes que os governam

Muitas vezes nos dizem para reverenciar o Tribunal simplesmente porque está consagrado na Constituição. A escravidão também estava consagrada na Constituição. Precisamos reverenciar isso?

Mesmo que a forma atual da Suprema Corte fosse realmente constitucional (o que, novamente, não é), ainda seria uma relíquia obsoleta de uma era distante. A ideia de que a Suprema Corte poderia de alguma forma tratar de todas as questões legais que surgem em uma vasta confederação era absurda desde o início, ainda mais agora. Ao reconhecer isso, os autores da Constituição criaram a Corte como um corpo designado a tratar apenas de conflitos entre estados, ou entre indivíduos de diferentes estados. Ou seja, deveria evitar conflitos que pudessem levar a crises entre os governos estaduais; foi projetada para evitar guerras entre os estados. Se o confeiteiro local deveria ou não fazer um bolo para casais gays, não estava exatamente no topo da agenda.

Mesmo no final do século XVIII, porém, o status da Corte como um minúsculo clube de elite exigia a criação do mito de que a Corte era de alguma forma “apolítica”, reforçada pela criação de um mandato vitalício para os juízes, não importando quão senis ou fora de alcance. Caso contrário, as ideias predominantes de representação no governo na época nunca teriam permitido que uma instituição política como a Corte ganhasse aceitação. Isso pode ser ilustrado pelo fato de que, em 1790, o Congresso era muito mais “democrático” do que é agora, no sentido de que havia muito mais representantes por pessoa do que hoje. As eleições em muitos governos estaduais eram eventos anuais e os distritos legislativos eram muito pequenos para os padrões de hoje, garantindo que seus representantes eleitos vivessem próximos a você e estivessem fisicamente acessíveis. 

Em contraste com isso, em 1790, havia um juiz da Suprema Corte para cada 600.000 americanos. Hoje, há um juiz da Suprema Corte para cada 35 milhões de americanos. Nem mesmo o politburo soviético conseguiu esse nível de não-representação. 

Por outro lado, não há razão para que um conselho de governos estaduais não possa ser empregado para tratar de questões de conflitos entre estados, e os estados (ou mesmo pequenas porções deles) — e não nove nomeados políticos — devem desempenhar a função de revisão judicial. Este não é o século XVIII. Ter delegados de uma variedade de estados diversos e geograficamente variados permanecendo em contato constante e se encontrando regularmente não é de forma alguma uma impossibilidade logística. 

Pior ainda, muitos dos juízes não têm um emprego de verdade há décadas e não têm ideia de como a realidade realmente funciona. É improvável que os membros mais velhos do Tribunal pudessem usar o Google para encontrar um número de telefone na internet, muito menos entender as complexidades de como as pessoas modernas administram seus negócios, criam suas famílias ou funcionam na vida cotidiana. O Tribunal é em grande parte o domínio dos geriatras que são generosamente pagos para fazer julgamentos complexos sobre um mundo no qual eles raramente vivem e mal conseguem entender.

Se os americanos querem um governo com maior probabilidade de deixá-los em paz, devem ignorar os apelos para eleger outro político que apenas indicará outro doador ou aliado político para o tribunal. Em vez disso, os governos estaduais e locais devem procurar a todo momento ignorar, anular e, em geral, desconsiderar as decisões da Corte quando elas contrariam a lei local e as instituições locais, onde – bem diferente da Suprema Corte – os cidadãos comuns têm alguma influência real sobre as instituições políticas que afetam suas vidas.


Ryan McMaken é bacharel em economia e mestre em políticas públicas e relações internacionais pela Universidade do Colorado. É editor sênior do Mises Institute.

Fonte: Mises Brasil

Sem unanimidade, a tributação é ilegítima

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Hoje, a política fiscal faz parte da política social, na qual se acondiciona tudo o que corresponde à respetiva oportunidade política. A tributação serve como forma de oferecer benefícios a grupos especiais. Trata-se menos dos efeitos reais da medida do que da arrecadação de dinheiro e, em última instância, de votos para o partido.

Desta forma, os eleitores entusiastas da proteção do clima e do meio-ambiente estão satisfeitos com a cobrança de impostos e outras taxas ou regulamentos que parecem servir aos desejos de seu grupo. O efeito real de tais medidas, que geralmente têm o efeito oposto, não é registrado. A política tributária é um jogo manipulado que consiste em prometer supostas vantagens para determinados grupos, em detrimento do todo indivíduo.

Nessa competição perversa, a concessão de vantagens partidárias está em constante expansão. O beneficiário deste teatro é a tecnocracia, que está intimamente ligada a este sistema. Dificilmente, nenhum outro setor do governo absorve tanta expertise quanto o sistema tributário sem que esse conhecimento tenha qualquer utilidade para o cidadão como um todo. Pelo contrário.

O sistema tributário, tal como é atualmente, é irracional, contraditório, sem princípios e ilegítimo. Cabe ao leitor imaginar quanto dos custos desse espetáculo político-econômico poderia ser mais bem aproveitado para fins de prosperidade mais valiosos.

As tentativas de justificação científica do sistema tributário moderno fracassaram. O chamado “princípio da eficiência”, que visa medir a alíquota do imposto com base na renda e no patrimônio, é inadequado desde o início porque ignora o lado da despesa. Por outro lado, de acordo com o “princípio da equivalência”, qualquer política redistributiva deve ser rejeitada porque não há uma metodologia objetiva para determinar a atribuição.

Uma vez que tanto o princípio da eficiência como o da equivalência não podem ser aplicados de forma significativa, a tributação na sua forma atual perde toda a legitimidade. Em suas “Investigações de Teoria Financeira” (1896), Knut Wicksell já chamava a atenção para esse fato e desenvolvia uma solução.

Este princípio é o de que qualquer atividade de cobrança de receitas e despesas do Estado só se justifica se a medida em questão for aprovada por todos.

Se não há unanimidade, explica Knut Wicksell em suas “Investigações de Teoria Financeira” (p. 113 s.), “há então uma prova a posteriori, e a única possível, de que a atividade estatal em questão traria ao todo apenas um benefício não correspondente ao sacrifício necessário”.

Se não for possível obter consenso, a respectiva atividade estatal deve ser descartada.

Com o princípio da unanimidade, Wicksell determinou o único critério racional possível para a legalidade da tributação. O acordo mútuo sobre as decisões serve de garantia contra a distribuição injustificada da carga tributária. Não só isso, a unanimidade e a voluntariedade também têm sido uma barragem eficaz contra a enxurrada de gastos e, portanto, contra a carga tributária desenfreada que se rompeu desde o início do século XX.

Hoje estamos vivenciando o que Knut Wicksell previu em suas “Investigações de Teoria Financeira” (p. 122) pouco antes do final do século XIX:

Uma vez que as classes mais baixas tenham definitivamente tomado posse da forma legislativa e de aprovação tributária, (…) há o perigo de que eles ajam de forma tão egoísta quando as classes que até então detinham o poder em suas mãos”. Eles “imporão a maior parte dos impostos às classes proprietárias, talvez procedendo de forma tão descuidada e perdulária na aprovação dos gastos para os quais eles mesmos agora pouco contribuem que o capital móvel do país em breve será inutilmente desperdiçado e, assim, as alavancas do progresso serão quebradas“.

Em “Uma Teoria Econômica dos Clubes” (1965) e seus escritos posteriores, James M. Buchanan modificou o princípio da unanimidade de Wicksell no princípio do consentimento. Uma vez que não é possível alcançar a unanimidade total em questões individuais na maioria das questões públicas, o princípio do consentimento representa uma saída, segundo o qual é exigida pelo menos unanimidade nas regras de votação. Neste sentido, a comunidade adota uma “Constituição“, na qual, por exemplo, se estabelece o princípio da maioria ou o princípio da maioria de dois terços.

O ponto crucial, no entanto, mantém-se: enquanto não houver uma Constituição aprovada por unanimidade, as decisões sobre impostos e direitos e a sua utilização são, em princípio, ilegítimas.


Antony Mueller é doutor pela Universidade de Erlangen-Nuremberg, Alemanha e, desde 2008, professor de economia na Universidade Federal de Sergipe.

Fonte: Mises Brasil

Protagonismo e a virtude da amizade

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A amizade, para os antigos, era compreendida de forma mais abrangente do que a atual definição de “sentimento fiel de afeição, simpatia, estima ou ternura entre pessoas que geralmente não são ligadas por laços de família ou por atração sexual” (Dic. Aurélio). O filósofo Aristóteles explora essa concepção em sua obra “Ética a Nicômaco”, na qual apresenta uma teoria da amizade dividida em três tipos: amizade por virtude, por prazer e por utilidade. Ele ressalta que essas diferentes formas de amizade são todas necessárias em momentos específicos da vida, não sendo sua intenção eliminar as amizades “menores”, mas sim que tenhamos consciência do tipo de amizade que estabelecemos com os outros.

“A amizade é uma alma que habita dois corpos; um coração que habita duas almas.”

Aristóteles

Aristóteles destaca a importância de distinguir a amizade do amor e da benevolência, pois muitas vezes os limites precisos entre esses sentimentos são confundidos, o que pode dificultar nossas relações interpessoais. Enquanto o amor está acompanhado por excitação e desejo, podendo ser dirigido até mesmo a coisas inanimadas, a benevolência difere da amizade e do amor, pois pode ser direcionada a seres desconhecidos, permanecendo oculta e não requerendo a reciprocidade característica da amizade e do amor.

Ao comparar os três tipos de amizade, Aristóteles destaca que a amizade baseada no prazer e na utilidade é considerada inferior à amizade fundamentada na virtude. Nas amizades do prazer e da utilidade, o amado é valorizado não por si mesmo, mas pelo que pode oferecer em termos de prazeres ou utilidades. Por isso, essas amizades são consideradas defeituosas, limitadas e não plenas.

O filósofo enfatiza que, mesmo entre o senhor e o escravo, é possível haver amizade, desde que o escravo não seja reduzido a mero instrumento do senhor. Porém, nos regimes tirânicos, a amizade encontra pouco espaço, pois não há pontos em comum entre polos opostos de poder. Aristóteles aponta que a força da amizade está na quantidade de coisas comuns que existem entre iguais.

Os tipos de amizade segundo Aristóteles

Amizade por prazer: Não é necessariamente duradoura, pois sua base é a busca pela satisfação do prazer. Quando o prazer acaba, a amizade também tende a desaparecer. O prazer aqui não se resume apenas à satisfação dos impulsos sexuais, mas engloba uma sensação geral de agradabilidade e deleite. Um exemplo típico seria a amizade com alguém bem-humorado, em que a pessoa se sente bem em estar próxima de alguém alto-astral ou com os “contatinhos” utilizados apenas para satisfazer impulsos sexuais.

Amizade por utilidade: Similar à amizade por prazer, essa amizade também não é eterna, pois depende da manutenção da utilidade para continuar ativa. É uma forma egoísta de amizade, focada na satisfação dos interesses pessoais dos envolvidos. Geralmente é unilateral, embora possa haver reciprocidade em algumas situações. Um exemplo comum é a amizade baseada na dependência mútua da satisfação de necessidades profissionais, acadêmicas ou sociais.

Amizade por virtude: É a forma mais completa de amizade, pois é fundada no bem em si, sem interesse em prazer ou utilidade pessoais. Essa amizade tende a ser duradoura e verdadeira. Um exemplo seria quando uma pessoa quer o que é bom para outra porque deseja genuinamente o bem-estar do outro, sem nenhum interesse particular.

É importante ressaltar que a amizade por virtude é rara, pois requer um desejo genuíno de bem-estar do outro sem qualquer motivação egoísta. Ao compreender essas diferentes formas de amizade, podemos aprimorar nossas relações com os outros, evitando confusões e promovendo amizades mais autênticas e significativas.

Amizade e protagonismo dos indivíduos

Aristóteles considerava a amizade como um dos elementos fundamentais para uma vida virtuosa e realizada. Através dela, os indivíduos encontram um apoio mútuo que os impulsiona a alcançar um protagonismo moral e intelectual.

A amizade, segundo o filósofo, é uma relação baseada na virtude e no desejo genuíno de bem-estar do outro. Os amigos verdadeiros incentivam-se reciprocamente a buscar o bem e a desenvolver suas capacidades, tornando-se protagonistas em suas próprias vidas. Eles apoiam-se nas virtudes um do outro e ajudam-se a superar suas fraquezas, estimulando um crescimento pessoal e moral contínuo.

Indivíduos têm a oportunidade de exercitar suas virtudes, como a generosidade, a compaixão, a coragem e a sabedoria. Essas virtudes são fundamentais para alcançar o protagonismo moral, pois impulsionam as pessoas a agirem de maneira ética e responsável em suas escolhas e ações.

Além disso, a relação entre amigos também promove o protagonismo intelectual, pois podem compartilhar ideias, conhecimentos e perspectivas, enriquecendo-se mutuamente e incentivando-se a crescer intelectualmente. Já discutimos em um artigo anterior como virtudes em prol do protagonismo para o bem também podem ser disseminadas pelo exemplo. Neste sentido a troca de ideias e o debate saudável são estímulos importantes para o desenvolvimento da sabedoria e da busca pelo conhecimento.

Aristóteles acreditava que uma vida virtuosa e protagonista não poderia ser alcançada de forma isolada. A interação com os outros e a construção de relações genuínas de amizade são cruciais para que o indivíduo possa se aprimorar e se tornar um protagonista moral e intelectual em sua comunidade.

A verdadeira amizade é como uma comunhão de almas, onde duas pessoas se unem em um vínculo de afeto e cumplicidade, compartilhando suas alegrias, tristezas, sonhos e desafios.

Nessa perspectiva aristotélica, a amizade transcende meras relações superficiais e utilitárias. Ela se revela como uma ligação espiritual entre seres humanos, onde cada amigo se torna uma parte essencial da vida do outro. A verdadeira amizade é fundada na virtude, no respeito mútuo e na busca sincera pelo bem-estar do amigo.

Jorge Quintão – IoP

Como as constituições brasileiras foram acabando com a liberdade de trabalhar

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No Brasil atual, a livre iniciativa e o trabalho não são livres. São totalmente regulamentados. E quem resolve empreender ou tirar um sonho do papel é visto como louco — ou como desempregado e desesperado.

Isso é reflexo das leis e normas existentes no país e não da nossa “cultura da dependência”. Muito se fala sobre isso, com muitas pessoas dizendo que o Brasil sempre foi avesso à livre iniciativa. Falso. O brasileiro sempre foi um povo empreendedor e construtor de riquezas. Quem acaba com a liberdade de trabalhar e empreender é o estado.

Nossas leis e constituições simplesmente não reconhecem esse valor inerente ao povo brasileiro. Quer ver uma prova?

O Brasil livre, de jura e de fato, nasceu junto com a independência do país. Nossa primeira constituição foi escrita em 1824, inspirada na Constituição dos Estados Unidos, criada 35 anos antes. Ela impunha limites ao estado, e não ao cidadão empreendedor. Além de segurar o apetite do estado em tornar-se cada vez maior, essa constituição garantia que as pessoas nunca teriam sua livre iniciativa censurada pelo poder público.

Porém, após a constituição de 1824 (clique para ler na integra), nossos políticos conscientemente foram transformando o Brasil em um estado tirânico que age à revelia do indivíduo. Com efeito, houve uma verdadeira involução jurídica desde então nesse aspecto.

Para tornar a demonstração do que eu quero dizer mais clara, e também para que não fique a impressão que estou fazendo uma livre interpretação dos fatos, vou transcrever literalmente, inclusive com o português da época, as cláusulas de liberdade individual que regulamentavam o trabalho com o passar das constituições.

Teço breves comentários abaixo de cada uma das alterações, somente para ilustrar o que foi alterado.

Constituição de 1824

Nenhum gênero de trabalho, de cultura, indústria ou comércio pode ser proibido, uma vez que não se oponha aos costumes públicos, à segurança, e saúde dos cidadãos“.

Comentário: em duas linhas a constituição brasileira de 1824 reduz ao máximo o que o governo pode regular em nossos trabalhos ou empresas. Nada é proibido, exceto aquilo que ofenda o bom senso. Sensatez igual não se viu mais. Vejamos.

Constituição de 1891

É garantido o livre exercício de qualquer profissão moral, intellectual e industrial“.

Comentário: a primeira carta magna da república. Atenção para o termo “garantido”. Fica claro desde o começo que o estado é quem garante as coisas no Brasil, mesmo aquilo que é um direito natural. Com esta constituição, a liberdade deixa de ser sua e não mais pode ser garantida diretamente por você, mas sim pelo estado. A liberdade é do estado, e ele a concede aos cidadãos, em uma espécie de cessão de direitos. Percebam a inversão de valores.

Constituição de 1934

É livre o exercício de qualquer profissão, observadas as condições de capacidade technica e outras que a lei estabelecer, ditadas pelo interesse público“.

Comentário: a primeira constituição de Getúlio Vargas determinou que só pode ser feito o que for de interesse público, e o responsável por interpretar o que é de interesse público tem, de fato, o poder para interpretar o que o brasileiro pode ou não fazer.

Constituição de 1937

A liberdade de escolha de profissão ou do gênero de trabalho, indústria ou commercio, observadas as condições de capacidade e as restricções impostas pelo bem publico, nos termos da lei“.

Comentário: Getúlio Vargas decretou o chamado Estado Novo no mesmo dia em que promulgou uma nova constituição. A partir de então, até a escolha do tipo de empreendimento deveria ser analisada para ver se estava de acordo com a lei.

Constituição de 1946

É livre o exercício de qualquer profissão, observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer“.

Comentário: se, por um lado, a mudança foi boa, pois aquela “liberdade de escolha” foi removida do artigo, por outro, a liberdade de exercício é que passou a ser regulada, o que torna o efeito ainda mais perverso, já que a partir de então até a forma como um trabalho era exercido passava a ser controlada pelo governo.

Constituição de 1967

É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer“.

Comentário: com a nova mudança, acrescentou-se o “trabalho” e o “ofício” sob o poder regulatório da constituição, já que o trabalho regulado cria o trabalho não-regulado. Foi uma tentativa de extensão de controle malfeita.

Constituição de 1988

É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer“.

Comentário: a partir de 1988, não somente as escolhas das pessoas foram limitadas por sua capacitação, mas o órgão responsável por julgar se você pode ou não realizar tal tarefa não é mais você, nem seu empregador ou cliente, mas um burocrata do estado. A partir de 1988 a liberdade de poder trabalhar deixou de existir por completo.

Liberdade para trabalhar: acabando aos poucos

Quando pensamos em leis e constituições antigas pensamos em retrocesso. Ledo engano. Essa é a versão criada pelas escolas durante o século XX para validar a república presidencialista e a lógica de avanços do poder do estado contra uma sociedade livre.

Fica documentado, portanto, que, desde a primeira constituição da república, a capacidade de escolher e exercer qualquer trabalho foi sendo continuamente limitada até chegarmos ao atual ponto de estagnação.

A ideia de que a liberdade de trabalho é um direito natural e que não deve ser condicionada a qualquer regulamentação deve preceder a elaboração de qualquer constituição. Toda constituição deve, no mínimo, reconhecer isso.

Porém, basta ler as constituições do Brasil do século XX para perceber que esse conceito desapareceu. O Brasil do século XXI terá de resgatar princípios atemporais para não ficar no eterno atraso.


Luiz Philippe Orleans e Bragança é bacharel em Administração de Empresas pela FAAP, mestre em Ciências Políticas por Stanford (EUA), e possui MBA pelo INSEAD, da França. Já trabalhou no JP Morgan, em Londres, e no Lázard Freres, em Nova York. É membro do Instituto O Pacificador.

Fonte: Mises Brasil

Altos impostos sobre bens de consumo afetam o protagonismo dos indivíduos

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O senso comum nos assegura que um imposto sobre a renda é “justo” porque tira dinheiro apenas dos ricos ao passo que impostos sobre bens de consumo penalizam majoritariamente os consumidores pobres, pois os empresários gananciosos repassam integralmente tais impostos ao preço final destes bens. Será mesmo? 

Seria realmente possível as empresas repassarem os impostos que incidem sobre bens de consumo totalmente para os consumidores na forma de um preço final mais elevado?

O fato de impostos sobre a renda acabarem prejudicando diretamente também os mais pobres já foi devidamente abordado em outros artigos (aqui), de modo que este irá se concentrar exclusivamente na questão de impostos sobre bens de consumo. 

Para entendermos claramente o mecanismo de uma transmissão de impostos para os consumidores, e verificarmos se tal transmissão realmente é possível em termos econômicos, comecemos do início. 

A transmissão não é simples

Imagine que o mercado esteja funcionando normalmente sem um imposto sobre bens de consumo. Assim, todos os preços vigentes são aqueles determinados pela interação entre a oferta de bens — o estoque de bens disponíveis para serem vendidos — e a demanda por esses bens. 

E então vem o governo e impõe uma taxa de 20% sobre o valor de todos os bens de consumo da economia. O que irá ocorrer?

Em primeiro lugar, todos os varejistas sofrerão um imediato aumento de 20% em seus custos de vendas. Se a receita era de $100, eles agora ficarão com apenas $80. 

Eles podem aumentar integralmente os preços para compensar este custo adicional? Difícil. Afinal, os preços, em todo e qualquer momento, tendem a já estar estipulados em um valor que traga o máximo possível de receita líquida para cada vendedor. Se os vendedores pudessem simplesmente repassar integralmente o aumento de 20% em seus custos para os consumidores, então por que já não haviam feito isso antes? Por que tiveram de esperar que o governo estipulasse um imposto sobre bens de consumo para que então elevassem seus preços?

Assim, se os preços de fato forem aumentados em decorrência desta elevação dos impostos, haverá necessariamente uma queda no consumo. Afinal, as preferências dos consumidores não se alteraram em decorrência desta elevação de impostos. A demanda dos consumidores não foi alterada só porque o governo criou um imposto. Se o governo criar um imposto sobre as vendas, os consumidores não irão alterar suas curvas de demanda de modo a repentinamente aceitarem um preço maior para os bens de consumo.

Logo, se o aumento de custos for repassado aos preços, estes preços mais altos, tudo o mais constante, reduzirão o consumo.

A conclusão básica é que qualquer aumento nos custos terá de ser absorvido pela empresa; tal aumento não pode ser repassado integralmente para os consumidores.

Por isso, se as empresas repassarem o imposto para o preço final de seus produtos, elas simplesmente perderão receitas, pois menos consumidores comprarão seus produtos (assumindo aqui que a quantidade de dinheiro na economia não sofreu alterações volumosas). 

No final, os custos dos impostos serão absorvidos pelas empresas. [Isso explica por que era ingenuidade imaginar que os preços cairiam por causa da extinção da CPMF ou por causa da abolição das sacolas plásticas nos supermercados].

O efeito inesperado da elevação de impostos sobre bens específicos

O exemplo acima abordou a criação de um imposto uniforme sobre todos os bens de consumo da economia. Analisemos agora o que ocorreria caso este mesmo imposto incidisse apenas sobre bens específicos.

Imagine que o governo impõe uma taxa de 20% sobre um determinado bem — por exemplo, produtos cítricos. Tal imposto faria com que as empresas que vendem laranjas, limões, pomelos, sucos de laranja e limão, picolés, saladas de frutas etc. inicialmente tivessem de lidar com um aumento em seus custos de produção e, consequentemente, uma redução em seus lucros.

Como consequência, as pequenas empresas que operam marginalmente nesta indústria poderão sofrer prejuízos e falir, ao passo que as empresas mais eficientes irão cortar custos e reduzir sua produção, de modo a provocar uma redução na oferta de produtos cítricos no mercado. Ao fazerem isso, a redução na oferta levará a um aumento dos preços e a uma queda na demanda, mas os lucros não serão afetados, pois houve também uma redução na produção.  

Portanto, a taxa de 20% não pôde simplesmente ser repassada para os preços. Se as empresas fizessem isso e não alterassem seus custos de produção, o aumento dos preços levaria uma queda na demanda. E por não ter havido redução na produção, os lucros cairiam. 

Por isso, é exatamente o efeito destrutivo do imposto sobre os lucros da empresa o que afeta a relação de oferta e demanda, levando a uma redução da oferta e a um consequente aumento dos preços para os consumidores.

Adicionalmente, dado que os consumidores podem, e irão, alterar suas preferências, passando a consumir outros tipos de frutas e sucos assim que os preços dos cítricos subirem, as empresas de cítricos não poderão aumentar os preços de seus produtos em exatos 20%. Tudo vai depender da oferta de produtos da concorrência. Dependendo dessa disponibilidade de substitutos e da elasticidade das curvas de demanda dos consumidores, o aumento percentual no preço dos cítricos pode acabar sendo bem menor do que 20%.

Até aqui, essa análise austríaca é bastante semelhante à análise neoclássica padrão. O diferencial vem agora.

No longo prazo — e este é o ponto distintivamente austríaco –, o fardo do imposto será jogado para os proprietários dos fatores de produção voltados especificamente para o setor de frutas cítricas — no caso, os cultivadores de frutas cítricas e donos de pomares. 

O valor de seu capital — sua terra e sua mão-de-obra — cairá acentuadamente como consequência da queda na demanda por produtos cítricos. Os trabalhadores destes setores terão seus salários reduzidos. Caso não aceitem tal redução, serão demitidos e terão de procurar empregos em outras áreas. Esta maior oferta de mão-de-obra irá deprimir os salários destas outras áreas da economia.

E é assim que os consumidores serão prejudicados por este imposto indireto: como os cultivadores menos eficientes terão parado de produzir simplesmente porque não eram capazes de cobrir seus custos salariais, passa a haver uma maior escassez de produtos cítricos no mercado. E isso leva a um aumento nos preços para os consumidores. 

É desta forma, portanto, que impostos indiretos levam a aumentos nos preços. Eles não são simplesmente repassados; há toda uma distorção na cadeia de produção que leva a este aumento de preços. Quanto maior o imposto, maior será este efeito. 

Um famoso exemplo prático dessa teoria — e se tornou famoso justamente porque foi amplamente visível — ocorreu nos EUA no início da década de 1990, com a indústria de iates. Para combater uma queda nas receitas decorrente da recessão da época, o governo aprovou um imposto de 50% sobre ‘artigos de luxo’, como aviões particulares, automóveis e barcos que custassem mais de US$100.000. Mas a demanda por estes itens de luxo era tão elástica que as compras de iate despencaram de 400 unidades em 1990 (ano anterior à criação do imposto) para 10 unidades em 1992.

Quase todos os construtores de iates foram à falência e vários trabalhadores desta indústria — uma mão-de-obra muito especializada — foram demitidos e tiveram de aceitar salários muito menores como pescadores de caranguejos, pilotos de barcos de turismo etc. Os consumidores tiveram de lidar com altos preços até o imposto ser finalmente abolido em 1993.

O governo quis aumentar suas receitas mas acabou apenas gerando desemprego.

Thomas Sowell nos lembra que “é difícil imaginar uma maneira mais estúpida ou mais perigosa de tomar decisões do que colocá-las nas mãos de pessoas que não pagam preço algum por estarem erradas”.

No caso da indústria de barcos de luxo, quem pagou a conta não foi o governo.

Como o aumento de impostos prejudica o protagonismo dos indivíduos?

Como vimos, o aumento de impostos pode prejudicar o protagonismo dos indivíduos de várias maneiras, principalmente pela redução da renda disponível, de forma direta e indireta. Quando os impostos aumentam, a renda disponível dos indivíduos é reduzida, pois uma parte maior de seus ganhos é destinada ao pagamento de tributos. Isso limita sua capacidade de tomar decisões sobre como gastar, investir ou economizar seu dinheiro, diminuindo seu protagonismo financeiro. Em suma, o indivíduo passa a viver para pagar seus tributos e, em uma situação extrema, o mesmo passa a ficar inadimplente com as suas obrigações fiscais, pois este tenderá a garantir sua subsistência.

Outro fato é que impostos altos restringem as escolhas dos cidadãos. Com menos recursos disponíveis devido ao aumento dos impostos, os indivíduos podem se ver limitados em suas escolhas e opções, cortando despesas em áreas importantes, como educação, saúde, lazer ou investimentos em si mesmos, o que afeta diretamente seu protagonismo na busca de uma vida plena e realização pessoal.

O impacto do aumento de tributos, em detrimento da diminuição de gastos públicos também acaba por inibir o empreendedorismo. O aumento de impostos desencoraja o investimento em novos negócios, impondo uma carga financeira adicional sobre as transações e dificultando a criação e o crescimento de novas empresas. O protagonismo daqueles que desejam iniciar seus próprios empreendimentos fica prejudicado, limitando suas oportunidades de inovação, geração de empregos e crescimento econômico. Isso é demonstrado pela teoria de Laffer, que tratamos neste artigo. Governos não produzem riqueza e assim, com o crescente aumento de taxas e tributos, em um dado momento no tempo a arrecadação passa a cair. Isso se dá pela desaceleração da economia e, sobretudo, pela inadimplência dos contribuintes.

Além disso, menos recursos para investimento pessoal diminuem a capacidade dos indivíduos de custear o seu próprio desenvolvimento pessoal, como educação, treinamentos, bem-estar ou aquisição de novas habilidades. Isso prejudica a busca de crescimento profissional e limita suas chances de melhorar sua situação financeira e qualidade de vida.

De todos os problemas, a consequência maior é a crescente dependência do governo. Com o aumento de impostos, o Estado ganha mais poder, mais controle sobre os recursos financeiros da sociedade e sobre as necessidades mais básicas do cidadão. Isso pode levar a uma maior dependência das pessoas em relação aos serviços governamentais, limitando sua autonomia, ou seja, o poder de escolha na resolução de suas próprias necessidades e problemas. Governos costumam usar termos como “bem-estar social” e “é pelos pobres” quando anunciam aumentos de tributos, que, no fim das contas, se transformam em dependência social. O cidadão se torna um servo. E, mais uma vez, lembrando Thomas Sowell, “é difícil imaginar uma maneira mais estúpida ou mais perigosa de tomar decisões do que colocá-las nas mãos de pessoas que não pagam preço algum por estarem erradas”. Estando errados ou não, quem paga a conta é sempre o contribuinte.

Podemos compreender então que o aumento de impostos reduz a renda disponível, conquistada pelo próprio esforço do cidadão, restringindo suas oportunidades, inibindo o empreendedorismo, limitando os recursos para investimento pessoal e promovendo maior dependência do Estado. Como explicado neste artigo, é importante buscar um equilíbrio na tributação, caso contrário o colapso econômico pode se instalar de forma irreversível e, mais uma vez, quem paga a conta somos nós.

Não somos contra a cobrança de impostos, mas defendemos que os mesmos sejam mínimos para que o cidadão decida o que fazer com o recurso proveniente do seu esforço, trazendo para si uma vida melhor, paz para realizar o que desejar, liberdade de escola e prosperidade a partir daquilo que gerar honestamente.

Como bem explicou Frédéric Bastiat, na economia há aquilo que se vê e o que não se vê. Um economista tem de ser igualmente versado nas duas artes. Nenhum imposto é neutro ao mercado; todo e qualquer imposto gera consequências inesperadas e não-premeditadas. A questão é que qualquer exagero quem paga, no fim das contas, é o povo.


Artigo produzido a partir do texto de Mises Brasil, escrito por Joseph Salerno – Vice-presidente acadêmico do Mises Institute, professor de economia da Pace University, e editor do periódico Quarterly Journal of Austrian Economics.

A economia de mercado versus a interferência estatal

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A vida é repleta de fenômenos complexos e intricados, dos quais muitas vezes não compreendemos plenamente seu funcionamento. Um exemplo notável é a economia de mercado, um sistema que opera de maneira eficiente e surpreendente.

A ordem espontânea da economia

A maioria dos líderes governamentais, burocratas estatais e legisladores possui um entendimento limitado ou nenhum sobre o funcionamento da economia. Aqueles que possuem algum conhecimento na área, geralmente foram influenciados pelo marxismo ou keynesianismo, correntes de pensamento que conferem ao Estado um papel econômico equivocado.

Friedrich Hayek, Ludwig von Mises, Thomas Sowell e Nassim Taleb explicaram que a economia de um país é moldada pelas ações individuais de milhões de pessoas que atuam em busca de sua própria prosperidade. O resultado é a produção de bens e serviços que satisfazem as necessidades de todos.

Adam Smith, um filósofo escocês, foi o primeiro a compreender esse conceito e o expressou em sua obra seminal “A Riqueza das Nações”, publicada em 1776. Smith destacou que o conhecimento sobre o que deve ser produzido, vendido e os preços a serem praticados está disseminado na sociedade. Os preços são determinados pela interação entre demanda e oferta, envolvendo compradores e vendedores. Infelizmente, os burocratas estatais, isolados em seus escritórios refrigerados, desconhecem essa dinâmica.

A economia é resultado do trabalho e comportamento de milhões de pessoas que buscam melhorar suas vidas e atender suas necessidades, ou seja, não foi criada pelo Estado. Ela já existia muito antes da ideia de criar um Ministério da Economia.

A economia e a interferência estatal

Hayek descreve a economia de mercado como uma forma de “ordem espontânea”, um sistema de organização entre indivíduos que emergiu naturalmente ao longo de milênios, por meio de um processo de seleção natural. As sociedades que adotaram formas inadequadas de organização desapareceram, enquanto aquelas que escolheram formas mais eficientes prosperaram e sobreviveram.

Contrariamente ao senso comum, a interferência do Estado na economia raramente produz resultados benéficos. Há uma vasta literatura que demonstra os efeitos negativos dessas intervenções. Por exemplo, o livro “O Homem Esquecido” de Amity Shlaes relata como as medidas adotadas por Franklin Roosevelt durante a Grande Depressão agravaram a situação econômica da época. Apesar das evidências documentadas, muitos ainda acreditam que o “New Deal” foi responsável pela recuperação dos Estados Unidos. Na realidade, as intervenções governamentais maciças retardaram a recuperação do país.

A complexidade dos sistemas econômicos

Interferir na economia equivale a interferir no meio ambiente. Ao eliminar predadores como os coiotes, por exemplo, em busca de proteger o gado, pode-se inadvertidamente desequilibrar o ecossistema. Como resultado, ocorre uma reprodução descontrolada de presas, como ratos, que por sua vez destroem plantações. Da mesma forma, quando burocratas estatais restringem o direito dos cidadãos de trabalhar e empreender, em nome da “justiça social” ou “justiça tributária”, acabam prejudicando o funcionamento da economia e a vida das pessoas.

Os efeitos danosos da taxação excessiva

No contexto brasileiro, um dos principais entraves ao desenvolvimento econômico é a alta carga tributária. Para ilustrar o quanto a taxação excessiva é prejudicial a uma economia, recorremos à curva de Laffer, que parte de uma teoria econômica que compara a porcentagem dos impostos cobrados versus a quantidade que o governo pode obter como receita advinda do recurso dos pagadores de impostos.

A ideia foi desenvolvida pelo economista Arthur Laffer, sendo defensor que a diminuição da taxação de empresas poderia aumentar a arrecadação do Estado.

A teoria explica que a partir de um certo ponto, por mais que se aumente a alíquota do imposto haverá menos receita fiscal. Isto ocorre por conta do maior incentivo aos agentes a praticarem estratégias de elisão ou evasão fiscal. O problema é que o governo insiste em não querer compreender o quanto a sobrecarga de impostos acaba por colapsar o sistema econômico como um todo.

Em um contexto de tributos excessivamente altos, empreendedores são desestimulados a investir e expandir seus negócios, o que resulta em menor geração de riqueza e empregos. Alguns acabam buscando alternativas ou outros países com menor carga tributária para realizarem as suas operações. Além disso, a alta carga tributária pode incentivar a sonegação fiscal, à medida que os indivíduos procuram evitar o pagamento de impostos elevados, priorizando gastos básicos para a sua sobrevivência. No país já tivemos uma rápida experiência com a redução do ICMS dos combustíveis e o IPI de alguns produtos. A medida, como sugerida historicamente por Hayek, favoreceu o aquecimento da economia, em um momento pós-pandemia do país.

A manobra do governo, ao reduzir os impostos, acabou estimulando indivíduos e empresas a aumentarem suas atividades econômicas, impulsionando a geração de renda e, consequentemente, o crescimento econômico. Com mais recursos disponíveis para investir, os empreendedores podem expandir seus negócios, criar mais empregos e aumentar a produção de bens e serviços. A roda da economia passa a girar, beneficiando a todos, incluindo o governo. Isso explica porque o Brasil, no fim de 2022 chegou a crescer 2,9%.

Além disso, a redução de tributos incentiva a formalização das atividades econômicas e a redução da sonegação fiscal. Neste sentido a tendência é que mais empresas e indivíduos optem pela regularização fiscal, contribuindo para um aumento da arrecadação de impostos.

Afinal, por que o governo não corta gastos ao invés de aumentar os impostos?

A diminuição dos gastos públicos é, de fato, uma solução viável para aliviar a carga tributária sobre indivíduos e empresas. Reduzir o tamanho da máquina pública, eliminando desperdícios e priorizando a eficiência na gestão dos recursos, contribui para um equilíbrio fiscal e uma economia mais saudável.

Ao enxugar a máquina pública, o governo elimina gastos excessivos, deve revisar programas e projetos desnecessários, otimizar processos e reduzir a burocracia. Essas medidas resultam em uma melhor alocação dos recursos públicos, garantindo que sejam utilizados de maneira mais eficiente e direcionados para áreas prioritárias, como saúde, educação, segurança pública e infraestrutura, ou seja, funções básicas que qualquer governo deveria garantir aos seus cidadãos.

No entanto, implementar cortes de gastos não é uma tarefa fácil, pois envolve decisões políticas complexas e podem enfrentar resistências de diversos setores, incluindo de instituições públicas, empresas privadas “amigas do rei” e uma lista infindável de interessados em manter suas atividades através de um complexo sistema burocrático que se beneficia dos gastos públicos, seja através de desvios de recursos ou através de influências políticas.

A economia de mercado é uma “ordem espontânea” que emergiu ao longo do tempo, resultado de um processo de seleção natural das melhores formas de organização. A interferência estatal na economia, muitas vezes motivada por uma busca equivocada por justiça social, tende a produzir frutos negativos e imprevisíveis. Os responsáveis por essas intervenções costumam utilizar essas consequências como pretexto para ampliar ainda mais seu poder, prejudicando a liberdade econômica e o bem-estar da sociedade como um todo, tudo em prol da manutenção do seu status político.

Conforme apontado de forma perspicaz por Thomas Sowell, “é difícil imaginar uma maneira mais estúpida ou mais perigosa de tomar decisões do que colocá-las nas mãos de pessoas que não pagam preço algum por estarem erradas”. Quando se trata de tributos, no fim da história é sempre o pagador de impostos que arca com as consequências das decisões equivocadas de seus governantes.

IoP

Reforma tributária já, mas não essa.

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Foto: Arno Senoner/Unsplash

Economistas e tributaristas questionam em artigo a efetividade da reforma tributária aprovada hoje no Congresso. Os autores levantam questões como o abandono do sistema tributário atual em favor de um modelo ainda pouco estruturado, com alíquotas indefinidas, dependentes da aprovação de lei complementar. O possível aumento da carga tributária também é alvo de críticas, bem como a excessiva centralização tributária que pode prejudicar o pacto federativo definido na Constituição.

A reforma tributária do consumo, traduzida na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 45, prometia fundir cinco tributos: Cofins, PIS, IPI, ICMS e ISS. Seus idealizadores projetavam um sistema que iria promover maior simplicidade, menos burocracia, não cumulatividade plena e migração da tributação para o destino, dando cabo à chamada guerra fiscal.

O substitutivo daquela PEC nega essas pretensões. Ao contrário, parece trilhar a marcha da insensatez, celebrizada na conhecida obra de Barbara Tuchman, que destacou a irracional supremacia das veleidades particulares sobre o interesse coletivo, em importantes episódios da história.

Ele propõe a instituição de dois novos tributos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), no âmbito federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), no subnacional. O primeiro resultaria da fusão de Cofins e PIS, e o segundo derivaria da fusão de ICMS com ISS.

A criação dos novos tributos não ocorreria de imediato. A CBS seria implantada em 2026, com alíquota de 1%. Já a partir de 2027, o Senado definiria sua alíquota, procedendo-se à extinção de Cofins e PIS.

A nova alíquota teria de preservar a arrecadação, sempre em relação a um cenário “de referência”, que afinal é um conjunto de projeções e dados não verificáveis. O IPI também seria extinto naquele mesmo ano, exceto para os produtos fabricados na Zona Franca de Manaus. Um imposto “seletivo” seria criado para produtos como o tabaco.

O IBS é ainda mais complexo. Sua implantação só ocorreria em 2029. A partir daí até 2032, haveria uma transição, com redutor anual de 1/5 aplicado sobre as alíquotas do ICMS e do ISS, a serem extintos em 2033.

No período de transição, o Senado fixará as alíquotas de referência do IBS, de modo a preservar as receitas dos estados e municípios, conforme a mesma lógica do cenário de referência.

Existiriam, portanto, dois tributos com alíquotas indefinidas, a serem fixadas, ano a ano, com risco evidente de erro de estimativa.

Presume-se, em exercício preliminar, que a alíquota resultante dos dois tributos seria de cerca de 30%. Além disso, o Tribunal de Contas da União (TCU) participaria do cálculo das alíquotas de referência para subsidiar as decisões do Senado, no caso do IBS, com base em informações prestadas por um Conselho Federativo e pelos entes federados. Dessa forma, tenta-se vender a tese de que ninguém perderia um centavo.

A propósito, qual seria essa alíquota mágica? Ninguém tem a resposta. Não é preciso ser versado em assuntos tributários para antever um agigantamento do contencioso. O diabo, costuma-se dizer, está sempre nos detalhes. Desta vez, porém, parece acomodar-se, sem qualquer pudor, em cada um dos dispositivos do substitutivo da PEC nº 45.

Além da suposta simplificação, outra bandeira hasteada pelos idealizadores da PEC nº 45 era a migração da tributação do consumo para o destino. O substitutivo prevê que essa migração, no IBS, venha a ocorrer em 2033, admitindo-se que o termo inicial de vigência desse imposto seja 2029. Essa mudança, entretanto, já poderia ter sido implementada por mera Resolução do Senado Federal, alterando-se as alíquotas interestaduais vigentes do ICMS (7% ou 12%, cobradas na origem).

A tão deplorada guerra fiscal do ICMS, por inobservância da legislação aplicável, poderia ser enfrentada pela instituição com severas punições: ao contribuinte beneficiário, mediante pagamento do imposto não pago com os acréscimos legais; à entidade federativa responsável, por meio dos impedimentos previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal; e aos agentes públicos responsáveis, por enquadramento em improbidade administrativa e em crime contra as finanças públicas, a ser tipificado.

A definição de alíquotas para o IBS é remetida à lei complementar. À boca miúda, ouve-se sempre “ah, na reforma tributária, para tudo que é importante, a resposta está pronta —lei complementar”.

E você, contribuinte? Alguma preocupação com o aumento da carga tributária em certos setores, como o de serviços, que amargará significativa elevação de impostos?

É racional tal deslocamento de carga tributária em desfavor de setores altamente empregadores de mão de obra, serviços temporários, sociedades profissionais e certas atividades na área de saúde e de educação que não venham a ser incluídas nas listas positivas de futuras e incertas leis complementares?

A imolação do ISS no altar da não cumulatividade é um retrocesso que não esconde a verdadeira intenção de se abocanhar a crescente base tributária dos serviços, para compensar o encolhimento da base industrial, às custas de limitação da competência tributária dos municípios e obstaculizando a descentralização no federalismo fiscal brasileiro.

O artigo 8º do substitutivo determina que lei complementar “poderá prever” regimes diferenciados, com alíquotas equivalentes à metade da alíquota de referência e, em alguns casos, com redução de 100%, respeitada a uniformidade no território nacional e desde que realizados os “ajustes” (aumentos) nas alíquotas de referência, a fim de preservar a arrecadação.

Obviamente, haverá uma grande confusão. Regimes especiais “poderão” instituir alíquotas menores na CBS e no IBS para produtos agropecuários, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais “in natura”,serviços de transporte, insumos agropecuários, produtos de higiene pessoal, atividades artísticas, medicamentos, serviços de educação e saúde.

Não há dispositivo no texto garantindo que os tributos terão alíquotas reduzidas. E nem que a redução, se concedida, atenda às expectativas, caso a alíquota padrão aumente além do esperado por força do rosário de benefícios distribuídos em série.

Essas reduções deverão ser compensadas, ao mesmo tempo, com majorações na alíquota padrão sobre os demais produtos e serviços. Não há garantia de absolutamente nada, pois tudo dependerá de lei complementar.

O argumento dos defensores desse modelo é que, hoje, com o ICMS, as especificidades criadas por meio de regimes especiais, incentivos e isenções fiscais são muito mais numerosas. Ora, os incentivos do ICMS estão sendo garantidos até 2032.

Além do mais, a prometida extinção demandará dinheiro vivo alocado pela União em um fundo exclusivamente destinado a essa finalidade, que poderá chegar a centenas de bilhões de reais. Trata-se de redobrada insensatez justamente no momento em que a crise fiscal ameaça a economia brasileira.

Não para por aí. Haverá um segundo fundo, destinado ao desenvolvimento regional. Lei complementar disporá sobre os detalhes de ambos. Já se fala em dividir o bolo a partir dos critérios do Fundo de Participação dos Estados (FPE), isso sem contar que haverá certamente uma demanda por aumentos nos valores inicialmente propostos. Além disso, há notícias de que a renegociação da dívida dos estados com a União também teria sido colocada sobre a mesa.

Outra complicação é o chamado “cashback” ou devolução de IBS e de CBS, o que, também, é remetido à definição por lei complementar. Caso venha a ser utilizado o cadastro único de beneficiários de transferências de renda, é preciso lembrar que serão mais de 90 milhões de pessoas a serem beneficiadas, o que certamente exigirá estruturas burocráticas gigantescas e robustos programas a serem adquiridos pelos contribuintes, especialmente nas atividades de varejo, ambos com custos exorbitantes, sem falar nos riscos de fraudes.

As exceções vão se amontoando no texto, o que resultará em uma complexidade provavelmente bem maior que a de hoje. Uma espécie de monstrengo de difícil manejo. O que se está propondo não é nada simples.

Já se esperava que a reforma não tocaria no Simples Nacional e na Zona Franca de Manaus. Porém, além deles, propõe-se o chamado regime específico de tributação a ser aplicado não só aos combustíveis, mas também às compras governamentais e aos serviços financeiros.

Cabe perguntar: se o IBS é tão bom, por que todos querem ficar de fora da alíquota de referência? É evidente que aqueles que conseguirem se mobilizar, vão buscar escapar da alíquota geral. Trata-se, rigorosamente, de um mergulho no escuro de inspiração aventureira.

Os que ganharem, ganharão, e os que perderem talvez venham a ser compensados com recursos da União, a viúva de sempre, o que significa importante aumento de carga tributária ou de endividamento público.

Além da ausência de um diagnóstico amplo, detalhado, consensual e compartilhado sobre a carga tributária, há que se registrar a pretensão de criar um Conselho Federativo, órgão supostamente técnico com competência para editar normas, uniformizar interpretações, arrecadar imposto e distribuí-lo entre estados e municípios.

Trata-se de uma instância poderosa para dirigir a fatia mais importante da tributação do país, hoje equivalente a cerca de 9% do PIB (ICMS e ISS). Seus poderes estão listados no substitutivo e incluem até mesmo a iniciativa para propor projeto de lei complementar relativamente ao novo imposto subnacional.

É assim que morre uma federação. Os governos estaduais e municipais perderão ingerência sobre sua própria receita. Não é pouco. O Conselho Federativo teria o poder de interferir até na fixação da alíquota do IBS. Em nome da automatização, da centralização, do controle ou de coisas abstratas e pouco explicadas como essas, pretende-se atribuir àquele conselho poderes extravagantes.

A cada ente federativo cabe administrar seus próprios tributos. Isso é parte essencial do pacto federativo, insusceptível de alteração por emenda constitucional. Acrescente-se que essa proteção ao pacto federativo é tão rigorosa que a Constituição veda a possibilidade de deliberação de emenda meramente tendente a ofendê-lo. Trata-se, convém não esquecer, de cláusula pétrea constitucional.

A União aceitará que a CBS tenha sua alíquota definida pelo TCU e pelo Senado? Essa possibilidade encerra um preocupante risco fiscal.

Visando conquistar apoio dos estados, o fundo originalmente proposto foi desmembrado em dois. Não tarda os estados exigirão mais recursos da União para custear ambos os fundos, como alertamos. Mais grave, em 2032, os prazos dos incentivos do ICMS talvez venham a ser prorrogados, como tem sido habitual. Definitivamente, essa proposta não será a solução para problemas tão difíceis e recorrentes.

O outro fundo, de desenvolvimento regional, pode se transformar em um segundo FPE, cujos critérios atuais de partilha estão sendo questionados em ação no Supremo Tribunal Federal, alegando-se possível inconstitucionalidade.

Já está muito claro. Perder-se-á uma fábula de dinheiro, sem qualquer garantia da boa aplicação do recurso. Destaque-se que, em anos de partilha do IR e do IPI, a desigualdade entre as regiões do país segue elevadíssima.

São necessários novos instrumentos e novas estratégias, além do resgate do planejamento e da capacidade de fixar objetivos e metas nas áreas de infraestrutura e educação. Distribuir recursos a esmo é uma fantasia. A diferença é que, agora, o mesmo canto das sereias serve para atrair os estados, restringir seu poder de tributar e criar um sistema tributário mais complexo.

Engana-se o setor industrial ao imaginar que sua situação melhorará com o avanço desse disparate tributário. O substitutivo, se aprovado como está, só piorará as condições de crescimento econômico, instalando no país uma máquina de ineficiências e complicações para quem produz.

A guerra fiscal seguiria, mais forte do que nunca, agora financiada por subsídios canalizados diretamente do orçamento da União para as contas dos estados. Pior, o destino, tão aclamado, só seria concretizado em uma década, sendo a transição federativa concluída apenas em 2078!

A Câmara e o Senado precisam compreender os riscos econômicos, políticos e sociais associados a este texto de 22 de junho de 2023, que já pode ser qualificado como uma das piores propostas de reforma tributária da história do país.

Quer-se impor goela abaixo uma solução salvadora, a exemplo de um emplastro Brás Cubas, que a tudo e a todos curaria. É engraçado, na preciosa obra de Machado de Assis, porém desesperador quando se projeta para a vida real.

A tal PEC resultará, a um só tempo, em seguro aumento de carga tributária para a maioria dos contribuintes e de complexidade para todos. Feriria o princípio federativo constitucional, ao estipular poderes excepcionais para o chamado Conselho Federativo, que, sem exagero, poderia ser visto como um fantasmagórico quarto ente federativo.

Peca-se, por arroubos fundamentalistas, pelo abandono completo do sistema erigido até aqui. É a lógica do “vamos começar do zero”, como se as democracias consolidadas combinassem com esse tipo de estratégia disruptiva.

A ciência política ensina que as democracias consolidadas se aperfeiçoam, quando há lideranças técnica e política adequadas ao modelo de avanços incrementais. Demonizar o ICMS e propor um imposto pior, no seu lugar, adianta o quê? Interessa a quem? Os seus problemas são muito conhecidos, e há soluções racionais para cada um deles. Não é preciso jogar fora o bebê junto com a água suja do banho.

Sem dúvida, há urgente necessidade de aprimorar os tributos sobre o consumo, mas não é prudente tratar de forma açodada e displicente assunto tão sério. A proposta aprovada é repudiada pela imensa maioria dos contribuintes, parte dos quais, entretanto, teve sua severa carga tributária mitigada por providencial iniciativa de resgate, o que, por via oblíqua, implica aumentar ainda mais a carga tributária incidente sobre os que não foram resgatados.

Os principais impactos da proposta aprovada

O debate em torno da reforma tributária proposta pelo governo Lula tem gerou controvérsias e levantou preocupações sobre seus possíveis impactos na economia e no emprego. Enquanto o governo argumenta que a reforma não aumentaria nem diminuiria a carga tributária, mas um estudo produzido pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) mostra que a realidade é bem diferente.

Aumento da carga tributária no setor de serviços

De acordo com o estudo da CNC, o setor de serviços, que representa uma parcela significativa da força de trabalho no Brasil, deve sofrer um aumento considerável na carga tributária. Estima-se que a carga média de impostos nesse setor aumente em 73%. Isso pode ter sérias consequências para as empresas de serviços e, consequentemente, para o emprego.

Impactos no emprego e nas empresas de serviços

A CNC estima que o aumento de R$ 200 bilhões na carga tributária das empresas de serviços pode resultar na perda de aproximadamente 3,8 milhões de empregos. Mesmo considerando a possibilidade de a indústria utilizar o ganho tributário para contratações, o que é incerto, ainda haveria um saldo de 600 mil desempregados. Esses números alarmantes evidenciam os potenciais efeitos negativos da reforma tributária no setor de serviços e na geração de empregos.

Benefícios para o setor industrial e o comércio

Enquanto os setores de serviços sofrem com o aumento da carga tributária, o estudo da CNC destaca que a indústria e o comércio são os grandes beneficiados pela reforma tributária proposta. Essa disparidade levanta preocupações sobre a distribuição equitativa dos ônus e benefícios da reforma e pode agravar as desigualdades entre os setores da economia.

Centralização do sistema tributário e retrocesso

Outra preocupação relevante é o aumento da centralização do sistema tributário. A reforma tributária implementada, sem o devido debate e análise, como argumentado pelos críticos, resultará em um sistema ainda mais centralizado. Essa centralização pode levar o país a um completo retrocesso, prejudicando a autonomia e o desenvolvimento regional.

Os governantes do país têm de tomar as rédeas das discussões e formular uma proposta sensata e consistente de reforma tributária centrada em iniciativas para, em curto prazo, promover a simplificação e a redução da litigiosidade, mediante projetos de legislação infraconstitucional cujos efeitos seriam imediatos. Reforma tributária já, mas não essa.


Fonte: Fenafisco

Everardo Maciel – Consultor tributário e ex-secretário da Receita Federal (1995-2002, governo FHC)

Felipe Salto – Economista-chefe e sócio da Warren Rena, foi secretário da Fazenda e Planejamento do estado de São Paulo (2022)

Fernando Resende – Ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (1996-1999), economista e professor na Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, da FGV

Jorge Rachid – Consultor tributário e ex-secretário da Receita Federal (2003-2008, governo Lula; e 2015-2018, governos Dilma e Temer)

José Roberto Afonso – Pós-doutor pela Universidade de Lisboa em economia e professor do IDP.

Marcos Cintra – Professor titular de economia da FGV-SP e ex-secretário da Receita Federal (2019, governo Bolsonaro)

Selene Peres Peres Nunes – Secretária de Economia do Estado de Goiás.

Folha de São Paulo.